Outro dia se dei com Ramiro Braga, cabra de olhar franco, pele queimada e sorriso largo amparado pelas mãos calosas que, depois de muito trabalhar nesse mundão de produção e cobrança, agora tem prosa mansa garantida pela aposentadoria. Derivado desse trabalho custoso, arrumou um estralo na coluna e num consegue mais trabalhar. Qualquer pequeno esforço vem atrelado de dolorimento e daí ele fica mais por conta de zelar por umas plantinhas e dos passarim criados na soltura do mundo de seu quintal.
Orgulhoso, ele caminha com desenvoltura pra mostrar sua rocinha e diz que “amendoim cavalo é muito farturoso, carecendo de plantar lerado, pois assim vai enramando e entopa a terra toda, empencando de bage”. De acordo com ele, “o bão é plantá no meio do milharal, porque depois que o milho madroce a topa já tá inteira, formada por riba da terra”.
De passarim, ele conhece tudo e gosta por demais. Conta que “dispois de trazido um casal de canarim chapinha e soltado no quintal, agora vejo é tanteira ciscando por riba da quirela”, generosamente esparramada em frente à varanda. Recostado numa cadeira de balanço, tem visão privilegiada de sua obra e aos poucos vai descrevendo os nomes, hábitos e cantos dos bichim.
- Além do canarim-chapinha, tem paparoz, rolinha-roxa, fogopago, bico-de-pimenta, passopreto, tiziu, chupim que tem esse canto agourento. O sofreu encanta com a belezura da penugem laranja, preta e a minúcia do branco na ponta da asa. Já a paparoz fêmea é mais arroxeada e feiosa. Em compensação, a jandainha tem a formosura da capa verde e o enfeite do bico amarelo. Tem tamém o assanhaço, o joão-de-barro e o cardeal-da-cabeça vermelha, que andava sumido, mas ontem se dei com ele aí mermo. Já o tico-tico tá tirando ninhada bem ali debaixo do coqueiro.
- Mas o que muito me encanta é o sabiá com aquele canto desrreguloso de: ‘Pequei sinhô, roubei sinhá, o que que eu faço...’
Ele continua: “Já o boiadeiro é outro passarim que canta numa buniteza só. Conhece não? Ele aparece é nos roçado de andu e tem um canto que nem um berrante esturrando. O pintassilgo tá mais raleado e o chico-tolo é azulado, grandão e se acha dele no araçá. Tem ainda o joão-graveto que faz aquele ninho de garrancho trançado e a viuvinha-de-peito-branco, toda arrumada com aquele riscadinho preto no zoinho.
- Pouco tempo atrás um moço de Capelinha teve por aqui e me pediu pra pegar um casal de canarim-chapinha e vender pra ele. Aquilo doeu no meu coração e antão eu disse: ‘Ô moço, tem jeito não. Nosso criame é na soltura do mundo, mas se argum deles quiser lhe acompanhar, faço muito gosto e nem tem necessidade de pagar...’.
Sapiência sertaneja é assim, na lata.
Inté a próxima lua!
(*) Jornalista e consultor em plantas medicinais