O presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), Mário Neto Borges, ingressou na instituição em 2004 como diretor-científico quando a reestruturou criando novas gerências e departamentos.
Engenheiro eletricista pela PUC-MG (1978), ele é mestre em Acionamentos Elétricos pela UFMG (1985) e doutor em Inteligência Artificial Aplicada à Educação pela Universidade de Huddersfield, na Inglaterra (1994).
Além de pesquisador e professor da PUC-Minas e UFMG, também já foi reitor da Universidade Federal de São João Del-Rei (1998 a 2004). "Trabalhei em diferentes frentes na área da pesquisa e educação e sempre apostei na valorização da ciência, tecnologia e inovação como vetor de desenvolvimento social, econômico e sustentável".
Confira, a seguir, a entrevista do professor Mário Neto Borges à Revista ECOLÓGICO, que irá inaugurar uma parceria para divulgação de conteúdo científico com a Fundação, a partir da nossa edição de outubro:
Qual o papel da Fapemig no fomento da pesquisa científica e tecnológica para a solução dos problemas ambientais?
Nossa função é gerar qualidade de vida, riqueza e conhecimento a partir da ciência, tecnologia e inovação. A única maneira de resolvermos a equação do uso dos recursos e do cuidado com o planeta é investindo na pesquisa desses temas. Esse é um dever que levamos a sério na Fundação. Tanto que, ano passado, aprovamos 21 projetos ligados ao meio ambiente, com investimentos de R$ 3,1 bilhões.
É possível desenvolver e preservar?
Sim. Não podemos deixar que o discurso de ambientalistas radicais, que têm luz elétrica e comida na mesa, e querem preservar o meio ambiente a qualquer custo, impeça que camadas mais carentes da população tenham acesso a infraestrutura básica. O homem precisa de alimento e energia e esse consumo tende a se ampliar. O que se explica pelo aumento da população e também pelo direito dos mais carentes a uma vida melhor.
A busca da melhoria da qualidade de vida é inevitável?
Exatamente. E a ciência é responsável por isso, ajudando a encontrar soluções científicas e tecnológicas que garantam a produção de alimentos, de energia e do equilíbrio do desenvolvimento sustentável a partir de uma abordagem séria, isenta de ideologias e radicalismos. Por exemplo: existe um debate intenso sobre o uso dos combustíveis fósseis, mas nós ainda vamos utilizá-los por muito tempo. Só que já existem alternativas e soluções para que esse desgaste ambiental seja minimizado. O álcool e o carro elétrico são duas alternativas. Existem outras. Encontrar o custo-benefício dessas soluções é que irá garantir uma vida melhor no planeta.
O senhor é a favor da exploração do pré-sal?
Sim, porque o Brasil depende dessa riqueza para melhorar seu equilíbrio social. Mas esperamos que parte dos recursos advindos do pré-sal se destine à educação, ciência, tecnologia e inovação, fomentando estudos que diminuam seus impactos.
Como é o processo de inscrição e avaliação de projetos na Fapemig?
Lançamos editais com os tópicos que queremos que sejam pesquisados: resíduos sólidos, água, etc. A partir daí, pesquisadores e centros de pesquisas públicos e privados submetem seus projetos. Nosso comitê julgador, composto por especialistas de diversas áreas, juntamente com a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), avalia as propostas. As melhores são contratadas e têm um prazo mínimo de dois anos para estudar o assunto e apresentar soluções. Se o projeto é técnica e economicamente viável, continuamos investindo em seu aprofundamento, proteção intelectual e patente.
Pode dar um exemplo?
Sim. A UFMG e o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) estudaram uma solução para o aproveitamento de pneus. No projeto, eles eram moídos e misturados à massa asfáltica, reduzindo a quantidade de petróleo usado para asfaltar ruas, estradas e avenidas. Aqui em Belo Horizonte esse projeto foi aplicado na "Linha Verde". Esse tipo de asfalto tem mais qualidade devido à elasticidade e durabilidade do pneu.
O ser humano acaba solucionando os problemas que cria?
Sim. As respostas, mesmo que não tão rápidas quanto o necessário, sempre surgem quando há demanda. A escassez de petróleo, por exemplo, fez surgir o abastecimento a álcool. O Brasil era um pequeno produtor de soja no Rio Grande do Sul até o dia em que a Embrapa, a Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais) e a Universidade Federal de Viçosa desenvolveram a soja do Cerrado, colocando o país no ranking de maior produtor do mundo.
De onde vem e quanto é o orçamento da Fapemig?
A fonte principal de recursos vem do Estado e representa um por cento de sua receita líquida corrente. Esse percentual foi honrado pela primeira vez pelo Governador Aécio Neves, em 2006. E até hoje o compromisso tem sido mantido. Parte desse recurso é usada para atrair recursos de outras fontes, a partir de parcerias com o Governo Federal e órgãos internacionais. Já trouxemos recursos da Alemanha, Itália, França, Estados Unidos e de empresas. Ano passado investimos R$ 233 milhões do nosso um por cento e outros R$ 51 milhões de parcerias.
Qual o retrato das instituições de pesquisa no Brasil hoje?
Se compararmos com o cenário internacional ainda não temos o suficiente, mas já avançamos bastante. Não há tanta evasão de pesquisadores para o exterior como antes. Há hoje 25 Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Fap's) (faltam ainda Rondônia e Roraima) com orçamento maior que o do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
As FAPs trabalham em conjunto?
Sim. Temos uma rede. Rio de Janeiro, Minas Gerais e Amazônia, por exemplo, estão trabalhando com a tuberculose. Existem outras pesquisas em rede focadas na malária e na dengue. Vale ressaltar que a grande maioria das fundações tem menos de 10 anos, já que a pesquisa no Brasil começou a se intensificar em 1999, no Governo FHC, com a criação dos Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia, que passaram a recolher percentuais da arrecadação de impostos de suas receitas. E também a contribuir com o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do país.
A criatividade nata do brasileiro ajuda no trabalho com pesquisa?
Sim, mas é preciso também uma boa formação. Por isso há necessidade de se melhorar a educação básica no Brasil. Na falta de engenheiros no mercado, não adianta abrirmos mais vagas nas universidades se lá no Ensino Fundamental as crianças não estão aprendendo bem Física e Matemática.
O que falta para provocar o talento de pesquisador dos estudantes brasileiros?
Fazer com que a ciência, a tecnologia e a inovação sejam valorizadas é um trabalho de água mole em pedra dura. Mas é possível. É preciso estimular e apoiar os alunos para descobrir talentos dentro da sala de aula e criar grandes cientistas. Em nosso programa "Iniciação Científica Júnior" com alunos do Ensino Médio, fornecemos bolsa para 1.400 jovens da escola pública. Uma estudante (Júlia Soares Parreiras) do CEFET-MG (Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais) ganhou o prêmio “Jovem Cientista de 2008” com um projeto de melhoria da qualidade da água em comunidades carentes que patrocinamos.
A ciência, a tecnologia e a inovação não são muito valorizadas no Brasil?
A sociedade não considera a ciência como um valor. Prefere discutir futebol, desastres e política sem associar ao seu dia a dia as diversas tecnologias que fazem parte dele. E lhes permite assistir a uma partida de futebol, ou, a utilizar o celular. À medida que a cultura da sociedade brasileira aumentar, essa consciência se amplia. Somos perseverantes na popularização do tema através da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, com os Museus Interativos de Ciências, a criação da Rádio e da TV Fapemig, boletins mensais, revista e também com a revitalização de nosso portal.
A Fapemig está completando 25 anos. O que comemorar e o que esperar dos próximos 25?
A Fundação será cada vez mais um vetor de desenvolvimento social e econômico, acelerando, melhorando e qualificando o desenvolvimento do Estado. Além disso, uma nova sede está sendo construída a partir de um projeto ambiental inteligente, que utiliza luz natural nos ambientes, reduz o consumo de energia no uso do ar condicionado e reaproveita a água. Esse vai ser o prédio mais moderno e inteligente de Belo Horizonte.
Que recado deixaria aos leitores?
Se a sociedade valorizar a ciência, a tecnologia e a inovação, os políticos também o farão, já que trabalham de acordo com a pressão que a sociedade exerce. Nesse caso, poderemos garantir recursos para manter o ciclo positivo de pesquisa, desenvolvimento tecnológico, transferência de tecnologia na criação de produtos que melhorem a qualidade de vida das pessoas, geração de riqueza, de empregos e recursos advindos de impostos que retornam para a máquina do Estado.
(*) A partir da próxima edição, a Revista ECOLÓGICO publicará artigos produzidos pela Fapemig na seção "Olhar Científico".
Saiba mais:
A nova sede da Fapemig será construída na Avenida José Cândido da Silveira, no bairro Cidade Nova, e contará com cinco blocos de quatro andares. O complexo inclui também a construção de um centro de convenções com capacidade para 1,2 mil pessoas. A obra, financiada com recursos próprios da Fundação está estimada em R$ 48.015.822,01. Prevista para começar ainda este ano, seu cronograma físico de execução tem previsão de 14 meses.