Rufão: maravilha fosforescente

Auxílio no tratamento de dores reumáticas, pancadas, além de agir como cicatrizante em assaduras de crianças e cobreiros
marcos guião (*) -www.naturezadosertao.com.br

Edição 33 - Publicado em: 06/03/2011

Assim que encontrei Chico da Mata, percebi que ele tava desacossoado, andando de lado pra outro no avarandado de sua casa, de onde mal-mal me saudou. Me acheguei de manso e depois de alguns arrodeios, fiquei sabendo que seu neto de apenas três anos, Juca, vez por outra vinha sofrendo de uma magoada dor de ouvido. Aflito, ele já havia tentado aliviar o pequeno com muitas plantas, sem sucesso. Enquanto falava, de repente sua expressão se iluminou e imediatamente ele passou a mão num enxadão, pedindo a sua mulher para preparar uma matulagem.

Saí no seu encalço com a mochila nas costas sem saber para onde o destino me levaria. Depois de encarar uma longa subida até a chapada tentando desesperadamente acompanhar suas largas passadas, meus pés queriam atravessar o couro das botas para se enterrarem nas areias frias daquele capão de mata em busca de um tiquim de alívio.

Em meio à subida aflitiva, fiquei sabendo que estávamos em busca do Rufão (Peritassa campestris), fruto típico do Cerrado que aparece no início do outono. De suas sementes se obtém um óleo amarelado com serventia e resultado garantido nos casos de dores de ouvido. Foi um alívio quando encontramos a primeira moita apinhada de frutos maduros, alguns até já roídos pelos animais silvestres. Daí prá frente topamos com várias moitas e rapidamente o saco se encheu. Voltamos na mesma batida e antes do meio-dia os frutos já estavam expostos ao sol depois de cortados e misturados a um bocado de areia grossa para retirada de uma espécie de película que envolve a semente.

Depois de bem seco, é necessário pisar em cima das sementes para que a areia se solte e leve consigo a polpa já enxuta que fica grudada, deixando os frutos bem limpinhos. Em seguida as castanhas obtidas voltam ao sol para acabar de secar e só depois são levadas ao pilão ou ao desintegrador. Da paçoca obtida se faz a extração do óleo levando-a ao fogo num tacho com água, deixando ferver até que o óleo suba a superfície. O próximo passo é recolher o óleo e numa outra vasilha levar novamente ao fogo para secar a água que sempre vem junto. Outro jeito é usar uma prensa hidráulica, que aperta a massa e faz escorrer o óleo purinho. O produto obtido nesse último modo de extração tem qualidade bem superior.

De acordo com Chico, “a comilança deste fruto assim, no natural, dá uma soltação de vento medonha. Fede que só a gota!”. As indicações são sortidas, começando com uma gotinha pingada dentro do ouvido no caso de dores, combatendo também as gripes, dores reumáticas, pancadas, agindo como cicatrizante, na assadura de criança, cobreiro, além de dar fim naquela dorada no corpo provocada por demasiada fadiga. Quando no inverno a pele fica quebradiça, tipo craquelê, a passação do óleo regenera e hidrata. Na anemia, inflamação no estômago e intestino, gastrite, prisão de ventre, laxante e bronquite não tem igual. A dosagem é de cinco a dez gotas/dia, mas deve-se tomar cuidado, pois o intestino tende a se soltar demasiado.

As raízes têm uma cor que convence qualquer vivente de que Deus existe. Sua coloração alaranjada fosforescente encanta o distraído que cava a terra em busca da salvação. E nesse caso, Chico esclarece que ela restaura as forças geradoras, “pois o cabra se dana num desassossego medonho, que só cessa depois de muito namorar, se é que você me entende...” Inté a próxima lua!

(*) Jor­na­lis­ta e consultor em plantas medicinais.


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