Dizer que nossa vida se resume a uma série de eventos que se conjugam no tempo e no espaço e que cada um desses acontecimentos envolve pessoas e pode gerar conforto ou desconforto, pode parecer óbvio demais. Mesmo assim, é bem possível que você, leitor, assim como eu, ainda não tenha pensado a vida nesses termos.
Desde 2004, o Centro de Pesquisas HomoSapiens, localizado em Rio Acima (MG), ensina uma metodologia, chamada TEvEP, que organiza, em linhas do tempo, evento, espaço e pessoas. Criada pelo publicitário Eduardo Shana, especialista em Gestão Organizacional, Qualidade Total e Planejamento, a ferramenta busca ampliar nossa consciência e equacionar o caos em que nos encontramos, envolvidos em dezenas de atividades profissionais, acadêmicas, sociais e familiares.
Vencedor do Prêmio Marketing Best 1993, com a "Torcida Amarela" do Banco do Brasil, Shana estruturou e conduziu, entre 1997 e 2000, nessa mesma instituição financeira, o Programa de Excelência e Competitividade (PEC), gerando ganhos da ordem de US$ 79 milhões.
Responsável também pela criação e coordenação do ciclo de palestras internacionais "Gestão do Futuro" (2002 - 2004), promovido em Belo Horizonte e Campinas (SP), já ministrou palestras para organizações como Rede Globo, Sebrae, Arcelor Mittal, Schincariol, Caixa Econômica Federal e Fiat, entre outras.
Shana se considera um cientista. "A sensação é de que tenho um laboratório de pesquisa para a cura de alguns males invisíveis da sociedade", diz. "O dia em que a HomoSapiens se autossustentar, o cliente não vai sentir minha falta. Aí, vou continuar minhas pesquisas, disseminar o TEvEP pelo mundo e criar outros projetos sem me preocupar com o leite das crianças e o salário da minha equipe."
A ECOLÓGICO esteve em seu escritório. Essa conversa, fruto de um encontro de quase quatro horas, você confere a seguir.
Como foi a sua infância? Você era uma criança questionadora?
Meu perfil era de sobrevivente. Quando meu pai morreu, eu tinha cinco anos. Minha mãe ficou viúva com quatro filhos (três irmãs e eu). Entrei para a confraria dos órfãos. Os irmãos de meu pai queriam cuidar cada um de um sobrinho, mas minha mãe não deixou. Tivemos que mudar de casa. E minha mãe conseguiu uma casa de fundos, no bairro Floresta, com um aluguel camarada, defasado. Moramos lá quase 12 anos. Eu convivia com meninos de classe média, mas não era um lugar para quem não tinha muito recurso, como a gente. Enquanto ganhava uma caixa de bombom no Natal, os outros meninos da rua ganhavam bicicleta.
Ajudava com as despesas em casa?
Não, mas aos 12 anos já vendia picolé e trabalhava no Colégio Arnaldo, carimbando as carteirinhas dos alunos. Aprendi a lavar carro também. A vida me mandou a conta muito cedo. Vi a crueza do mundo ainda menino.
O que essa convivência com a classe média lhe trouxe?
Vi que, financeiramente, meus vizinhos eram melhores resolvidos que eu. Para ir à praia, por exemplo, tive de pagar do meu próprio bolso. Para ter meu telefone, comprei um plano de expansão. Minha primeira bicicleta, velha, enferrujada e de segunda mão, adquiri pagando prestações durante um ano, quando deixei de pegar ônibus na volta da escola e de comprar merenda. Dei um trato nela, com lixa e pintura, e ela ficou bonita!
Acredita que "Deus dá o frio conforme o cobertor"?
Acho que somos resultado de nós mesmos. O tempo todo tomamos diversas decisões que não são lineares, mas que vão dar em algum lugar. Somos agentes de mudança. E a equação da vida depende de nossas escolhas. Eu poderia ser um drogado ou prostituído. Morava num bairro em quem meus vizinhos tinham tudo e eu não tinha nada. Poderia ter crescido revoltado e escolhido roubar carro. Você poderia estar entrevistando agora um Shana presidiário, por exemplo.
Você não cresceu revoltado?
Compreendi que tinha pouca chance de errar, porque não havia cobertura para mim. A vida me mostrou essa realidade. Eu sabia que era menos e que se brigasse com um colega, cujo pai era industrial, todo mundo ia ficar contra mim, porque quem levava a turma para passar férias na fazenda era esse outro menino.
A vida te pressionou?
Quando se é pobre, sua mãe vira para você e diz: "Você só vai estudar no Colégio Arnaldo se tirar total nas provas." Todo ano eu tinha de fazer prova para permanecer no Colégio, o que só acontecia se o aproveitamento fosse de 100%. O tempo todo convivi com uma exigência de excelência. Aos 10 anos, eu fazia prova e não podia errar nada. Do contrário, perderia a bolsa. Se estivesse doente e fosse dia de prova, minha mãe me mandava ir assim mesmo.
É adepto de alguma religião?
Sou católico, mas não praticante. Acredito em Deus e na existência de muitas coisas acima de nós, que não compreendemos. E acho que ensinar uma pessoa a ter conforto e a não gerar desconforto nas outras é uma forma de aproximação com Deus. Mas só fui encontrar Deus e essa mágica do TEvEP depois de muito questionamento.
Como foi o tempo que passou no Banco do Brasil?
Foi uma grande escola. Entrei aos 14 e saí depois de 22, como gerente-executivo. Aquela mania do bancário, de fazer tudo certo, me ensinou muito! No primeiro dia de trabalho, recebi um lápis, uma caneta, e o seguinte recado: "Somente daqui a um ano você tem direito de receber outro lápis e outra caneta. Se precisar antes disso, vai ter de me mostrar o lápis no toco e a caneta sem carga." Isso me deu um sentido muito grande de cuidado com o que é do outro. Nunca vi ninguém roubar uma caneta sequer lá. E foi a única vez que minha ‘Bic’ acabou de fato.
Vê muita diferença entre a época que viveu e a de seus filhos hoje?
Além da violência, que aumentou muito e tem me impressionado, as pessoas e os valores também mudaram. Vou te dar um exemplo. Eu morava na Rua Marechal Deodoro, ao lado da Zezé, a ‘zona’ mais famosa de Belo Horizonte. Lá, era um ponto de encontro dos políticos mineiros também. Nem sempre eles estavam com uma prostituta. O sonho de todo adolescente era entrar na Zezé. Nunca tive notícia de um amigo que tivesse conseguido essa façanha antes de completar 18 anos. Na minha época, porteiro de zona tinha mais moral que um ministro da República hoje.
Que outras lembranças, experiências guarda desse seu passado?
O jeito brincalhão que sempre tive e o poder da palavra. Eu cumpro o que digo. Se der minha palavra, acabou. A HomoSapiens tem zero de inadimplência. Já certificamos 19 mil pessoas e a maior parte de nossos contratos, até com multinacionais, muitas vezes é só ‘de bigode’. A palavra continua valendo muito para mim.
Qual a origem do TEvEP?
É um somatório de estudos e aplicações que ganhou força com o Programa de Qualidade, Gestão e Planejamento do Banco do Brasil. Aprendi, nessa trajetória, que planejando algo que ainda não aconteceu, nossa capacidade humana de olhar o que está por vir aumenta. E cria um cenário de comunicação com as pessoas, antecipando, com essa troca, o que pode acontecer.
Alguma cena de aplicação desse método te emocionou?
Muitas. Vou citar uma. Aplicamos o TEvEP numa favela. Ao perguntarmos para os jovens da comunidade quais eram seus sonhos, ouvimos do filho de um traficante: ‘Meu sonho é ser traficante. Posso fazer um projeto sobre isso?’ Nosso instrutor respondeu: ‘Pode, sim’. Na hora de preencher os dados relativos ao tempo de execução e duração desse seu projeto, o jovem se deparou com uma dura realidade: o curto tempo de vida que os traficantes costumam ter. Ele voltou atrás, desmanchou o que havia escrito e preencheu no campo ‘projeto’: corretor de imóveis. Pela primeira vez, escolheu um destino diferente daquele que havia sido traçado para ele, e se retransfigurou. Foi maravilhoso! Tenho certeza de que ele vai ser corretor.
E a sua reação ao TEvEP?
No início me assustei. Depois, comecei a enxergar e a compreender melhor minha realidade. Consegui perder 16 quilos, quando fiz o TEvEP. Entrei para a academia, li o que tinha de ler, organizei minha vida. Fiz meu dever de casa e hoje 'sofro' as consequências positivas do método e procuro não causar desconforto às pessoas.
A gente se acostuma a viver de um jeito complicado?
As pessoas são analfabetas na arquitetura de eventos de suas vidas particulares e profissionais. Às vezes, as coisas estão bem do nosso lado e não vemos, porque vivemos num ciclo vicioso, sem pausa. As pendências vão se acumulando e sendo adiadas. O que adiamos e deixamos ficar vermelho, em sinal de alerta, não vai ficar verde sozinho. Tudo o que vai sendo adiado entra para a nossa cabeça como culpa. Como é que um cidadão consegue viver e pensar com um monte de "caixinhas vermelhas" na cabeça?
Não nos habituamos, então, ao ditado: "Não deixe para amanhã o que pode fazer hoje"?
Não nos ensinaram a configurar evento, tempo, espaço e pessoas. E aprendemos a suportar demais. Quem deixa de visitar o dentista regularmente e quando de repente, o dente começa a doer, não tem o privilégio de marcar uma consulta com antecedência, nem avaliar preço, condições, etc. Quem berra e manda é o evento e você não pode escolher custo, qualidade, nada.
Quais os resultados do TEvEP, se bem aplicado?
É possível retirar o que está vermelho em sua vida e colocar tudo numa linha do tempo, transformando tempo em evento confortável. A ferramenta permite que um mau planejador consiga fazer um bom plano. Para pessoas centralizadoras, a ferramenta ensina a delegar funções, a passar a responsabilidade para o outro, tornando cada um o gerente de seus próprios gastos, por exemplo.
Tudo na vida, portanto, é evento?
Claro! E se eu vivo em um planeta onde tudo é evento, preciso entender de evento mais do que de qualquer coisa. A física quântica ensina que a natureza produz eventos. Quando você coloca uma semente numa terra úmida, com nutrientes, temperatura e pressão adequadas, ela brota. É essa a mágica da vida! E, se na relação tempo e espaço a natureza produz evento, com as pessoas acontece o mesmo.
Como reconfigurar nosso tempo?
Organizando-nos melhor para ganhar mais tempo. Uma hora a mais por dia representa 30 horas a mais por mês e 360 horas a mais em um ano. Tem gente que tem empresa no Vale do Sereno (próximo a Nova Lima) e mora na Cidade Nova. Olha o tempo no trânsito indo embora...
Por que o nome "HomoSapiens"?
Para a gente se lembrar de que é macaco e que qualquer pessoa, dos seis aos 96 anos, de todos os credos, culturas, etc., pode aprender o TEvEP e introduzi-lo em sua vida diária. Ele é tão bom para o Henrique Meirelles (presidente do Banco Central) ficar mais vira-lata, quanto para o Carlinhos Brown (cantor e compositor baiano) ficar mais Henrique Meirelles. E isso, sem perder a essência.
Que tipo de pessoa absorve melhor a filosofia dessa ferramenta?
Quanto mais simples a pessoa, melhor ela compreende o TEvEP e o aplica. Isso é um alento.
O que mais o TEvEP propõe?
Que devemos acordar todos os dias e dizer: "Eu juro para o universo, por tudo o que é mais sagrado, que não quero causar desconforto para ninguém hoje e se isso acontecer, por favor, me avise. Isso é maravilhoso! Você já levanta da cama sem querer causar desconforto para o filho, para a companheira, o porteiro do prédio...
Os relacionamentos amorosos e familiares também melhoram com o TEvEP?
Sem dúvida. Porque você passa a abrir o jogo, pensa alto e os "acertos” com o outro são muito mais às claras. Há diversos eventos, datas comemorativas, como o Dia das Mães e dos Pais, por exemplo, dos quais a gente participa só porque o sistema inventou. Muitas vezes vamos a esses eventos não por vontade, mas por obrigação e educação.
Pode dar um exemplo de aplicação prática?
Festa de fim de ano de empresa. Só agradam a quem trabalha nela. Não adianta você ir todo feliz para o evento e sua parceira te acompanhar "p" da vida. Mas, normalmente é o que acontece, porque o significado que um e outro têm de um mesmo evento é diferente. Quem trabalha na empresa vai querer ficar até mais tarde na festa e o outro vai querer ir embora o mais cedo possível. Se os dois aplicassem o TEvEP nessa história, a liberdade de escolha de ir ou não, por exemplo, aconteceria naturalmente e ambos se respeitariam.
As pessoas de seu convívio lidam bem com esse seu jeito diferente de ser e viver?
Total. Lá em casa eu uso o "naomeagende.com.br".
O que é isso?
Sabe aquela história do parente que te liga e diz: "Estou indo para a sua casa no sábado"? Eu penso: "Mas, espera aí. Não agendei esse evento para mim." E digo não. Portanto, "naomeagende.com.br" significa: "Não aceito ser agendado sem o meu próprio consentimento".
E você. Agenda outras pessoas dessa forma?
Não. A bola de ferro que não quero que coloquem em mim, não posso querer colocar no outro. Não pode haver controle unilateral. A liberdade, assim como o respeito e a honestidade, deve vir dos dois lados. Até porque, ninguém toma conta de ninguém. Hoje, as pessoas ligam em nosso celular e fazem quatro perguntas: "Onde você está?; Com quem?; Fazendo o quê?; A que horas volta?" Esse tipo de controle não funciona.
Acredita na instituição "casamento"?
Nunca acreditei que a gente, quando se casa, tem de aprender a ceder. Eu me casei para curtir eventos maravilhosos. Tenho quase 30 anos de relacionamento e não me lembro da última vez em que briguei com minha mulher. Tenho meus amigos e ela, os dela. Juntos, temos os nossos. Conversamos muito e saímos para dançar e nos divertir.
Vocês têm filhos?
Sim e os três são adoráveis. Um tem 15 anos, outro com 14 e o caçula, 10. Lá em casa, não tem menino dando "piti" de adolescente.
Tem planos de levar o TEvEP também para as redes públicas de ensino?
Claro! Acho que é uma ferramenta simples, ao alcance de todos e aplicável em tudo. Na primeira etapa do processo, de cinco horas/aula, conseguimos despertar, em qualquer pessoa, uma 'descomplicação' absurda das coisas. Isso já é hercúleo. Em apenas um dia, conseguimos tocar o coração delas, o que não costuma acontecer em quatro anos de graduação. Lançamos uma semente que poderá salvar vidas, empresas, casamentos... Mas, quando a pessoa volta para a vida real, é comum que volte a fazer tudo como antes.
Qual a vantagem de tudo isso, então?
A mágica que a gente consegue provocar nas pessoas, no primeiro dia de aula, é muito bonita. O TEvEP é consciência embarcada. Não é um manual de respostas. Outro dia, um cliente me disse que já estava aplicando a ferramenta há quatro meses na sua empresa, mas que não estava tendo os resultados esperados. Eu perguntei: "Quantos anos tem sua empresa?" Ele respondeu: "40." Aí, eu disse: "Você levou 40 anos para desarrumar e acha que vai organizar tudo em quatro meses?"
Você aplica o método em casa?
Sim. Meu filho de 14 anos já aprendeu bem o TEvEP. O caçula fez o curso (primeiro módulo) por vontade própria. Minha mulher também. Sem ser um doutrinador - o que é um perigo, porque o TEvEP não pode ser a festa, tem de ser o salgado - você consegue contagiar as pessoas. Nós fizemos isso com a população de Rio Acima. Hoje, a cidade usa essa ferramenta para organizar o seu Torneio da Goiaba, a Festa da Independência, o Plano Diretor e qualquer outro evento. O sucesso não é do método, mas das pessoas que se dispõem a pensar diferente e a serem donas de seus próprios destinos.
Há alguma contra indicação?
Não discuto mais se o método é bom, válido ou aplicável, mas quantas doses são necessárias. A pessoa faz quantos TEvEPs achar que precisa até tomar as rédeas de sua própria vida. Elas não conseguem rechaçar o TEvEP hoje. Demos aulas e sempre obtivemos resultado, inclusive para pensadores do porte de Deepak Chopra (médico indiano autor de vários livros).
Você se considera uma pessoa feliz?
Extremamente feliz. Tenho 50 anos, com cara de 36. Quando tinha 36, tinha cara de 50. Hoje, não entro mais em um evento que não me traga conforto. O desconforto faz a gente sofrer e a pele enrugar. Envelhece.
Que outras conquistas você tem em mente?
Ser amigo dos meus filhos. Porque mãe e pai só valem para os filhos até os 14, 15 anos. Se for amigo deles, vou poder compartilhar uma vida inteira. Também quero fazer alianças com instituições que entendam de pessoas, de psicologia, de pedagogia. Consegui trocar a carência, que todos nós temos, de ser alguém em forma de cifrão. No mais, troquei os cifrões por neurônios. Sou reconhecido como uma pessoa inteligente e competente. Essa é uma conquista acadêmica e profissional.
Por que acha que o sofrimento ainda impera nas relações humanas?
Muitas pessoas não estão preparadas para novas escolhas. Nem aceitam maneiras diferentes de pensar. Por isso, precisam do alento, do sofrimento do outro para que o próprio sofrimento delas valha a pena.
O TEvEP também pode ser útil para cuidarmos melhor do meio ambiente?
Além de ser uma ferramenta de conscientização, é eficácia e eficiência. Aprender a usar melhor os recursos naturais, portanto, fica mais fácil. Qualquer pessoa que aprende a lavar melhor um copo, gastando menos água, por exemplo, está contribuindo com o meio ambiente. Você pensa maior e melhor. Automaticamente, é sustentável.
Que diferença há entre o Shana de ontem e o de hoje?
A espiritualidade. Hoje, sou outra pessoa. O TEvEP mudou por completo a minha vida. Não enfrento menos problemas que outras pessoas. Apenas aprendi a lidar melhor com eles e com a vida. E considero um privilégio ensinar as pessoas a encontrarem também os seus eixos.
Tem uma mensagem para os nossos leitores?
Com ou sem TEvEP, converse. Compartilhe seus sentimentos, seus desconfortos. E, mesmo numa situação de caos com outra pessoa, seja ela quem for, crie um mundo de conforto à sua volta. A água só é cristalina correndo. Se ela parar, apodrece e atrofia.
Eduardo Shana - Publicitário e especialista em Gestão Organizacional, Qualidade Total e Planejamento