A artista plástica e ilustradora científica mineira Belkiss Radicchi Alméri integra uma 'Seleção' especial, escalada para um trabalho valioso em tempos de degradação e ameaças ambientais: fazer algo pela natureza, para o bem desta e das futuras gerações. Há mais de um ano, ela coordena um grupo de 11 ilustradoras que prepara aquarelas e imagens digitais de mais de 100 espécies da flora do Cerrado brasileiro. O trabalho, que ganha cor e vida a cada dia, deve ser concluído até o primeiro semestre do ano que vem, e se transformará num guia, que servirá de fonte para pesquisa, ampliando o conhecimento e a divulgação de informações sobre espécies raras, belas e delicadas.
A iniciativa é fruto de uma parceria entre a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) e UFMG e tem como base 125 árvores preservadas pelo Arboreto do Cerrado, horto florestal mantido pela empresa em Araxá, no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba. Embora apenas uma delas esteja ameaçada de extinção - o palmito-jussara (Euterpe edulis), conforme lista da Fundação Biodiversitas -, com a crescente devastação da flora do Cerrado, as espécies estão cada vez mais raras.
Mas, felizmente, no Arboreto da CBMM, elas esbanjam saúde, flores e frutos. Um oásis de patrimônio natural e genético que está sendo registrado e reproduzido com riqueza de detalhes e um cuidado todo especial. Além de uma aquarela para cada espécie, o "Guia Ilustrado do Arboreto" trará informações completas sobre todas as plantas e terá textos em português e inglês.
Incluirá, ainda, a fenologia, que é o estudo de fenômenos periódicos das espécies, como a brotação, a floração e a frutificação. A ideia do projeto surgiu depois que Belkiss leu um boletim da CBMM, com informações sobre o Arboreto. Acertada a parceria, ela e sua equipe arregaçaram as mangas. Visitaram o espaço e iniciaram uma rede de comunicação que se mantém ativa, com a troca contínua de informações entre as profissionais; e a colaboração permanente da engenheira florestal Larissa Veloso Paula, uma das idealizadoras do Arboreto.
EXPERIÊNCIA VALIOSA
Cada aquarela é composta pelas partes vegetativa (ramos e folhas) e reprodutiva (flores, frutos e sementes) da espécie. A equipe de ilustração conta, ainda, com a valiosa experiência do 'mateiro' José Francisco Alves Filho, o 'seu' Zé (leia box) que, assim como Larissa, é funcionário da CBMM e profundo conhecedor das espécies do Cerrado encontradas na região do Planalto de Araxá, terra de muitas belezas e da lendária Dona Beja.
Entre as mais conhecidas estão a Hancornia speciosa (mangaba), Annona coriacea (araticum); Eugenia dysenterica (cagaita), Caryocar brasiliense (pequi), Anacardium humile (cajuzinho-do-cerrado), Stryphnodendron adstringens (barbatimão), Copaifera langsdorffii (copaíba), Hymenaea stigonocarpa (jatobá-do-cerrado), Tibouchina granulosa (quaresmeira) e a Tabebuia ochracea (ipê-amarelo-do-cerrado).
Das 125 espécies, faltam apenas cerca de 20 para que a etapa de registro e preparação das imagens seja concluída. Isso porque, conforme esclarece Belkiss, durante as visitas, algumas espécies não estavam com flores, frutos e sementes. "Por isso, para que o trabalho fique completo e o mais fiel possível à realidade, a Larissa coleta, separa, identifica e nos envia novas amostras à medida que as plantas florescem e frutificam. Isso enriquece o nosso trabalho e ainda assegura uma visão de conjunto sobre todo o acervo."
Desde 1970, a CBMM investe na preservação de espécies da fauna e flora do Cerrado, mas foi em 2005 que a empresa aceitou o desafio de transplantar mudas nativas desse ecossistema para fazer nascer o seu Arboreto. "É uma alegria participar desse projeto. Ele valoriza o trabalho desenvolvido até aqui e, sem dúvida, fará grande diferença na divulgação do Arboreto", comemora Larissa.
FONTE DE CONSULTA
Na próxima fase, serão elaborados os textos, com informações detalhadas sobre as espécies, incluindo o nome - popular e científico - família, ocorrência geográfica e seus usos. Em seguida, após revisão minuciosa do conteúdo, serão definidos o formato e a forma de distribuição do guia. A ideia é que ele sirva de fonte de consulta e parte da edição fique disponível na empresa, já que o Arboreto recebe constantes visitas de estudantes e especialistas, contribuindo com trabalhos acadêmicos e científicos apresentados em inúmeros congressos nacionais. A publicação também deverá ser doada a universidades, bibliotecas e escolas públicas da região, onde a empresa desenvolve um importante trabalho de educação ambiental.
A técnica escolhida para registro das espécies, a aquarela, propicia o uso de cores que tornam as imagens mais atraentes e fiéis. Alguns ilustradores preferem o nanquim e o grafite. Para manter o rigor científico do trabalho, a equipe conta com acesso autorizado para consultas ao acervo do herbário do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), da UFMG, sob o acompanhamento da mestre em biologia vegetal Esmeire Cruz de Matos. Segundo Belkiss, a documentação em aquarela para as espécies do Cerrado ainda é pouco comum. Além disso, nem todos os exemplares do Arboreto da CBMM têm registro imagético, o que valoriza ainda mais o trabalho da equipe.
O time de 11 ilustradoras científicas aquarelistas é formado pela coordenadora do Programa de Ilustração Científica da UFMG, professora Rosa Alves Pereira (que coordenou a fase inicial do projeto, como representante da universidade, e se afastou para fazer mestrado em Lisboa); as artistas plásticas Amarílis Bracher, Gerosina Marques de Melo e Sousa, Helena Rodrigues, Leir Barbosa Monteiro, Dilce Laranjeira e Ângela Felisberto Giannetti - também paisagista; as comunicadoras visuais Carla Antonini Coscarelli e Cláudia Lambert Ribeiro do Valle Freitas - especializadas em desenho científico na Suíça; e a designer de ambientes e paisagista Eliana Maria Ângelo.
Craques de uma iniciativa que une arte, ciência, sabedoria popular e - o mais importante - cuidado e respeito à natureza, que precisa e merece ser preservada para o bem coletivo. Hoje e sempre. Em aquarela e na vida real.
RICO ACERVO:
Espécies de conhecido valor alimentício, medicinal, oleaginoso e ornamental integram a coleção do Arboreto da CBMM, que ocupa uma área de 2,9 mil metros quadrados e abriga espécies ainda pouco conhecidas. São todas árvores originárias de mudas produzidas no viveiro da empresa ou transplantadas de áreas de vegetação nativa do Alto Paranaíba. A manutenção desse rico acervo natural cumpre dois objetivos fundamentais: a preservação das espécies típicas do Cerrado e o desenvolvimento de atividades de pesquisa e educação ambiental voltadas principalmente para as comunidades de Araxá e região. A CBMM, empresa do Grupo Moreira Salles, fabrica e comercializa produtos à base de nióbio. Com subsidiárias na Europa, Ásia e Estados Unidos, também se destaca no segmento ambiental por manter um criadouro conservacionista regulamentado pelo Ibama.
É o único especializado em fauna do Cerrado no Brasil e pioneiro na reprodução do lobo-guará.
Para saber mais: www.cbmm.com.br
GUARDIÃO DO VERDE:
Uma enciclopédia do Cerrado. É assim que o 'mateiro' José Francisco Alves Filho, o 'seu Zé', é definido pela engenheira florestal Larissa Veloso. Há 30 anos, não se faz revegetação com
espécies nativas nas áreas da empresa sem a participação dele. Desde 1980, 'seu' Zé trabalha na coleta e plantio de sementes. "Conheço praticamente tudo do Cerrado", diz. O aprendizado desse 'guardião do verde' começou na infância, quando acompanhava o pai pelas matas de Ibiá, onde nasceu, e da Fazenda Morro Alto, na região de Araxá, onde foi criado. A coleta de sementes e o preparo de mudas de jacarandá, peroba, ipê, bálsamo, pau-pereira, bico-de-pato e de outras espécies fazem parte da rotina diária de 'seu' Zé. Ele não sabe quantas mudas já espalhou pelas áreas internas da CBMM e fazendas da região. Centenas delas são doadas pela empresa para a formação de hortos nas escolas de Araxá. De todas as espécies do Cerrado, ele conta que se preocupa mais com o cajuzinho-rasteiro, seriamente ameaçado de extinção. "Preciso andar uns 80 quilômetros, lá pelas bandas de Tapira, para achar sementes dele", conta. Aos 62 anos, "seu Zé, que é casado com dona Mercedes Rodrigues e tem um casal de filhos, compartilha seu conhecimento com a equipe que prepara o 'Guia Ilustrado' e atende, com satisfação, estudantes das faculdades da Uni Araxá e engenheiros florestais que o procuram. Um exemplo de amor à natureza e ao próximo!