AQUARELAS E ESPERANÇA NO CERRADO

Guia Ilustrado que retrata 125 espécies mantidas no Arboreto da CBMM, em Araxá, deve ser lançado em 2011, incentivando a conservação desse importante bioma
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Edição 23 - Publicado em: 30/11/-0001

A ar­tis­ta plás­ti­ca e ilus­tra­do­ra cien­tí­fi­ca mi­nei­ra Be­lkiss Ra­dic­chi Al­mé­ri in­te­gra uma 'Se­le­ção' es­pe­cial, es­ca­la­da pa­ra um tra­ba­lho va­lio­so em tem­pos de de­gra­da­ção e amea­ças am­bien­tais: fa­zer al­go pe­la na­tu­re­za, pa­ra o bem des­ta e das fu­tu­ras ge­ra­ções. Há mais de um ano, ela coor­de­na um gru­po de 11 ilus­tra­do­ras que pre­pa­ra aqua­re­las e ima­gens di­gi­tais de mais de 100 es­pé­cies da flo­ra do Cer­ra­do bra­si­lei­ro. O tra­ba­lho, que ga­nha cor e vi­da a ca­da dia, de­ve ser con­cluí­do até o pri­mei­ro se­mes­tre do ano que vem, e se trans­for­ma­rá num guia, que ser­vi­rá de fon­te pa­ra pes­qui­sa, am­plian­do o co­nhe­ci­men­to e a di­vul­ga­ção de in­for­ma­ções so­bre es­pé­cies ra­ras, be­las e de­li­ca­das.

A ini­cia­ti­va é fru­to de uma par­ce­ria en­tre a Com­pa­nhia Bra­si­lei­ra de Me­ta­lur­gia e Mi­ne­ra­ção (CBMM) e UFMG e tem co­mo ba­se 125 ár­vo­res pre­ser­va­das pe­lo Ar­bo­re­to do Cer­ra­do, hor­to flo­res­tal man­ti­do pe­la em­pre­sa em Ara­xá, no Triân­gu­lo Mi­nei­ro/Al­to Pa­ra­naí­ba. Em­bo­ra ape­nas uma de­las es­te­ja amea­ça­da de ex­tin­ção - o pal­mi­to-jus­sa­ra (Eu­ter­pe edu­lis), con­for­me lis­ta da Fun­da­ção Bio­di­ver­si­tas -, com a cres­cen­te de­vas­ta­ção da flo­ra do Cer­ra­do, as es­pé­cies es­tão ca­da vez mais ra­ras.

Mas, fe­liz­men­te, no Ar­bo­re­to da CBMM, elas es­ban­jam saú­de, flo­res e fru­tos. Um oá­sis de pa­tri­mô­nio na­tu­ral e ge­né­ti­co que es­tá sen­do re­gis­tra­do e re­pro­du­zi­do com ri­que­za de de­ta­lhes e um cui­da­do to­do es­pe­cial. Além de uma aqua­re­la pa­ra ca­da es­pé­cie, o "Guia Ilus­tra­do do Ar­bo­re­to" tra­rá in­for­ma­ções com­ple­tas so­bre to­das as plan­tas e te­rá tex­tos em por­tu­guês e in­glês.

In­clui­rá, ain­da, a fe­no­lo­gia, que é o es­tu­do de fe­nô­me­nos pe­rió­di­cos das es­pé­cies, co­mo a bro­ta­ção, a flo­ra­ção e a fru­ti­fi­ca­ção. A ideia do pro­je­to sur­giu de­pois que Be­lkiss leu um bo­le­tim da CBMM, com in­for­ma­ções so­bre o Ar­bo­re­to. Acer­ta­da a par­ce­ria, ela e sua equi­pe ar­re­ga­ça­ram as man­gas. Vi­si­ta­ram o es­pa­ço e ini­cia­ram uma re­de de co­mu­ni­ca­ção que se man­tém ati­va, com a tro­ca con­tí­nua de in­for­ma­ções en­tre as pro­fis­sio­nais; e a co­la­bo­ra­ção per­ma­nen­te da en­ge­nhei­ra flo­res­tal Lar­is­sa Ve­lo­so Pau­la, uma das idea­li­za­do­ras do Ar­bo­re­to.

EX­PE­RIÊN­CIA VA­LIO­SA

Ca­da aqua­re­la é com­pos­ta pe­las par­tes ve­ge­ta­ti­va (ra­mos e fo­lhas) e re­pro­du­ti­va (flo­res, fru­tos e se­men­tes) da es­pé­cie. A equi­pe de ilus­tra­ção con­ta, ain­da, com a va­lio­sa ex­pe­riên­cia do 'ma­tei­ro' Jo­sé Fran­cis­co Al­ves Fi­lho, o 'seu' Zé (leia box) que, as­sim co­mo La­ris­sa, é fun­cio­ná­rio da CBMM e pro­fun­do co­nhe­ce­dor das es­pé­cies do Cer­ra­do en­con­tra­das na re­gião do Pla­nal­to de Ara­xá, ter­ra de mui­tas be­le­zas e da len­dá­ria Do­na Be­ja.

En­tre as mais co­nhe­ci­das es­tão a Han­cor­nia spe­cio­sa (man­ga­ba), An­no­na co­ria­cea (ara­ti­cum); Eu­ge­nia dy­sen­te­ri­ca (ca­gai­ta), Ca­ryo­car bra­si­lien­se (pe­qui), Ana­car­dium hu­mi­le (ca­ju­zi­nho-do-cer­ra­do), Stryph­no­den­dron ads­trin­gens (bar­ba­ti­mão), Co­pai­fe­ra lan­gs­dor­ffii (co­paí­ba), Hy­me­naea sti­go­no­car­pa (ja­to­bá-do-cer­ra­do), Ti­bou­chi­na gra­nu­lo­sa (qua­res­mei­ra) e a Ta­be­buia ochra­cea (ipê-ama­re­lo-do-cer­ra­do).

Das 125 es­pé­cies, fal­tam ape­nas cer­ca de 20 pa­ra que a eta­pa de re­gis­tro e pre­pa­ra­ção das ima­gens se­ja con­cluí­da. Is­so por­que, con­for­me es­cla­re­ce Be­lkiss, du­ran­te as vi­si­tas, al­gu­mas es­pé­cies não es­ta­vam com flo­res, fru­tos e se­men­tes. "Por is­so, pa­ra que o tra­ba­lho fi­que com­ple­to e o mais fiel pos­sí­vel à rea­li­da­de, a La­ris­sa co­le­ta, se­pa­ra, iden­ti­fi­ca e nos en­via no­vas amos­tras à me­di­da que as plan­tas flo­res­cem e fru­ti­fi­cam. Is­so en­ri­que­ce o nos­so tra­ba­lho e ain­da as­se­gu­ra uma vi­são de con­jun­to so­bre to­do o acer­vo."

Des­de 1970, a CBMM in­ves­te na pre­ser­va­ção de es­pé­cies da fau­na e flo­ra do Cer­ra­do, mas foi em 2005 que a em­pre­sa acei­tou o de­sa­fio de trans­plan­tar mu­das na­ti­vas des­se ecos­sis­te­ma pa­ra fa­zer nas­cer o seu Ar­bo­re­to. "É uma ale­gria par­ti­ci­par des­se pro­je­to. Ele valoriza o tra­ba­lho de­sen­vol­vi­do até aqui e, sem dú­vi­da, fa­rá gran­de di­fe­ren­ça na di­vul­ga­ção do Ar­bo­re­to", co­me­mo­ra La­ris­sa.

FON­TE DE CON­SUL­TA

Na pró­xi­ma fa­se, se­rão ela­bo­ra­dos os tex­tos, com in­for­ma­ções de­ta­lha­das so­bre as es­pé­cies, in­cluin­do o no­me - po­pu­lar e cien­tí­fi­co - fa­mí­lia, ocor­rên­cia geo­grá­fi­ca e seus usos. Em se­gui­da, após re­vi­são mi­nu­cio­sa do con­teú­do, se­rão de­fi­ni­dos o for­ma­to e a for­ma de dis­tri­bui­ção do guia. A ideia é que ele sir­va de fon­te de con­sul­ta e parte da edição fi­que dis­po­ní­vel na em­pre­sa, já que o Ar­bo­re­to re­ce­be cons­tan­tes vi­si­tas de es­tu­dan­tes e es­pe­cia­lis­tas, con­tri­buin­do com tra­ba­lhos aca­dê­mi­cos e cien­tí­fi­cos apre­sen­ta­dos em inú­me­ros con­gres­sos na­cio­nais. A pu­bli­ca­ção tam­bém de­ve­rá ser doa­da a uni­ver­si­da­des, bi­blio­te­cas e es­co­las pú­bli­cas da re­gião, on­de a em­pre­sa de­sen­vol­ve um im­por­tan­te tra­ba­lho de edu­ca­ção am­bien­tal.

A téc­ni­ca es­co­lhi­da pa­ra re­gis­tro das es­pé­cies, a aqua­re­la, pro­pi­cia o uso de co­res que tor­nam as ima­gens mais atraen­tes e fiéis. Al­guns ilus­tra­do­res pre­fe­rem o nan­quim e o gra­fi­te. Pa­ra man­ter o ri­gor cien­tí­fi­co do tra­ba­lho, a equi­pe con­ta com aces­so au­to­ri­za­do pa­ra con­sul­tas ao acer­vo do her­bá­rio do Ins­ti­tu­to de Ciên­cias Bio­ló­gi­cas (ICB), da UFMG, sob o acom­pa­nha­men­to da mes­tre em bio­lo­gia ve­ge­tal Es­mei­re Cruz de Ma­tos. Se­gun­do Be­lkiss, a do­cu­men­ta­ção em aqua­re­la pa­ra as es­pé­cies do Cer­ra­do ain­da é pou­co co­mum. Além dis­so, nem to­dos os exem­pla­res do Ar­bo­re­to da CBMM têm re­gis­tro ima­gé­ti­co, o que va­lo­ri­za ain­da mais o tra­ba­lho da equi­pe.

O ti­me de 11 ilus­tra­do­ras cien­tí­fi­cas aqua­re­lis­tas é for­ma­do pe­la coor­de­na­do­ra do Pro­gra­ma de Ilus­tra­ção Cien­tí­fi­ca da UFMG, pro­fes­so­ra Ro­sa Al­ves Pe­rei­ra (que coordenou a fase inicial do projeto, como representante da universidade, e se afastou para fazer mestrado em Lisboa); as ar­tistas plás­ti­cas Ama­rí­lis Bra­cher, Ge­ro­si­na Mar­ques de Me­lo e Sou­sa, He­le­na Ro­dri­gues, Leir Bar­bo­sa Mon­tei­ro, Dil­ce La­ran­jei­ra e Ân­ge­la Fe­lis­ber­to Gian­net­ti - tam­bém pai­sa­gis­ta; as co­mu­ni­ca­do­ras vi­suais Car­la An­to­ni­ni Cos­ca­re­lli e Cláu­dia Lam­bert Ri­bei­ro do Val­le Frei­tas - es­pe­ciali­za­das em de­se­nho cien­tí­fi­co na Suí­ça; e a de­sig­ner de am­bien­tes e pai­sa­gis­ta Elia­na Ma­ria Ân­ge­lo.

Cra­ques de uma ini­cia­ti­va que une ar­te, ciên­cia, sa­be­do­ria po­pu­lar e - o mais im­por­tan­te - cui­da­do e res­pei­to à na­tu­re­za, que pre­ci­sa e me­re­ce ser pre­ser­va­da pa­ra o bem co­le­ti­vo. Ho­je e sem­pre. Em aqua­re­la e na vi­da real.

RICO ACERVO:

Espécies de conhecido valor alimentício, medicinal, oleaginoso e ornamental integram a coleção do Arboreto da CBMM, que ocupa uma área de 2,9 mil metros quadrados e abriga espécies ainda pouco conhecidas. São todas árvores originárias de mudas produzidas no viveiro da empresa ou transplantadas de áreas de vegetação nativa do Alto Paranaíba. A manutenção desse rico acervo natural cumpre dois objetivos fundamentais: a preservação das espécies típicas do Cerrado e o desenvolvimento de atividades de pesquisa e educação ambiental voltadas principalmente para as comunidades de Araxá e região. A CBMM, empresa do Grupo Moreira Salles, fabrica e comercializa produtos à base de nióbio. Com subsidiárias na Europa, Ásia e Estados Unidos, também se destaca no segmento ambiental por manter um criadouro conservacionista regulamentado pelo Ibama.

É o único especializado em fauna do Cerrado no Brasil e pioneiro na reprodução do lobo-guará.

Para saber mais: www.cbmm.com.br

GUARDIÃO DO VERDE:

Uma enciclopédia do Cerrado. É assim que o 'mateiro' José Francisco Alves Filho, o 'seu Zé', é definido pela engenheira florestal Larissa Veloso. Há 30 anos, não se faz revegetação com

espécies nativas nas áreas da empresa sem a participação dele. Desde 1980, 'seu' Zé trabalha na coleta e plantio de sementes. "Conheço praticamente tudo do Cerrado", diz. O aprendizado desse 'guardião do verde' começou na infância, quando acompanhava o pai pelas matas de Ibiá, onde nasceu, e da Fazenda Morro Alto, na região de Araxá, onde foi criado. A coleta de sementes e o preparo de mudas de jacarandá, peroba, ipê, bálsamo, pau-pereira, bico-de-pato e de outras espécies fazem parte da rotina diária de 'seu' Zé. Ele não sabe quantas mudas já espalhou pelas áreas internas da CBMM e fazendas da região. Centenas delas são doadas pela empresa para a formação de hortos nas escolas de Araxá. De todas as espécies do Cerrado, ele conta que se preocupa mais com o cajuzinho-rasteiro, seriamente ameaçado de extinção. "Preciso andar uns 80 quilômetros, lá pelas bandas de Tapira, para achar sementes dele", conta. Aos 62 anos, "seu Zé, que é casado com dona Mercedes Rodrigues e tem um casal de filhos, compartilha seu conhecimento com a equipe que prepara o 'Guia Ilustrado' e atende, com satisfação, estudantes das faculdades da Uni Araxá e engenheiros florestais que o procuram. Um exemplo de amor à natureza e ao próximo!
 


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