Ailton Krenak

Filósofo, autor e ativista indígena se diz cansado após diversos avisos da natureza em vão: 'Agora, é o povo do RS quem sofre como nós sofremos'
Revista Ecológico - redacao@sourecologico.com.br
Desastre Climático
Edição 148 - Publicado em: 05/06/2024

Divulgação/ABL
Divulgação/ABL

“A última vez que fui convidado para vir aqui foi quando o Rio Doce foi devastado pela lama da mineração”. A fala do filósofo e escritor Ailton Krenak ao jornalista Roberto D’Ávila em entrevista à GloboNews, exibida em 14 de maio deste ano, diz muito sobre o tom que o ativista indígena adotou para abordar as recentes tragédias em mais de 460 dos 497 municípios do Rio Grande do Sul, após fortes chuvas desde o fim de abril.

Inquieto e cansado, assim parecia Krenak na entrevista. E ele tem razão, afinal, o filósofo aponta em desleixo e falta de cuidado dos governantes com a questão climática. A conta chegou: cidades completamente inundadas, pessoas feridas, desalojadas, desabrigadas e até mortas. As tragédias se sucedem.

“O evento da tragédia de Mariana foi resultado da negligência das agências que fiscalizam como funcionam as barragens. Barragens que ficam lá guardando durante 20, 30, 40 anos os resíduos da atividade da mineração”, afirmou, antes de concluir de forma dura.

“Quer dizer, se alguém tivesse vigiado, barragem alguma não teria estourado e destruído 630 quilômetros da bacia hidrográfica onde eu vivo. Onde a minha família vive. E onde hoje nós somos supridos por caminhão pipa que leva água para a gente do Espírito Santo para Minas Gerais. Os mineiros deveriam chorar de vergonha de ter que comprar água, importar água do Espírito Santo. Agora, o Rio Grande do Sul vai ter que importar água do mundo inteiro. Deveriam chorar de vergonha também”, complementou.

Mas a indignação não parou por aí. Diante de certa falta de paciência de Ailton Krenak com a questão e até cansaço com tantos recados em vão, o filósofo foi questionado sobre uma “nova Terra” em um futuro por conta do iminente resultado climático. O ativista indígena não se furtou e disse que, para ele, não há essa hipótese. Mas, sim, uma busca por “conserto” do mundo atual para as próximas gerações.

“Eu não tenho perspectiva alguma com relação a um novo mundo, não acredito num novo mundo. Nós vamos ter que resolver o que fazer com que a gente está estragando. A ideia de um novo mundo, ela está implantada, ela está numa lógica que sugere que o meu sapato acabou e eu compro um novo. Nós vamos acabar com essa Terra e vamos arrumar uma nova?”, questionou.

Krenak também fez referência a Elon Musk, empresário sul-africano-canadense naturalizado estadunidense, e suas perspectivas quanto às viagens espaciais. “Musk quer levar as pessoas para outro mundo, para Marte”, o que é indigno. Temos que consertar primeiro, o lar celeste e sustentável que temos.

O Rio Doce e o homem ainda feridos: a mesma realidade 9 anos depois da tragédia da Samarco em Mariana
O Rio Doce e o homem ainda feridos: a mesma realidade 9 anos depois da tragédia da Samarco em Mariana

“Pergunte ao povo Krenak”

Ailton Krenak fez referência direta à lama da mineradora Samarco, que devastou a Bacia Hidrográfica do Rio Doce após rompimento de uma barragem de rejeitos em Bento Rodrigues, distrito de Mariana, cidade da Região Central de Minas Gerais, em novembro de 2015. O filósofo conhece bem a área e fez uma analogia direta com esse fato.

Para ele, a tragédia no Rio Grande do Sul se assemelha diretamente com o caso de Mariana. “Da mesma maneira das barragens. Barragem não é feita para estourar em cima dos outros”, afirmou.

Depois, o ativista relembrou ainda a questão indígena, pauta diária para o Brasil no combate à discriminação e pela preservação desses povos e de suas culturas. “Se você quer saber sobre o fim do mundo, deve ouvir o povo Krenak. O meu povo já presenciou vários confins do mundo”, disse Ailton.

O ativista ainda ponderou com um novo alerta. Para ele, Ailton Krenak, toda riqueza que se tem hoje foi provida de uma extração histórica tanto da natureza quanto dos seres humanos e suas forças. Aí também há um paralelo com Musk: o empresário é dono de uma fortuna avaliada em US$ 195 bilhões (cerca de R$ 1,003 trilhão) e é considerado a segunda pessoa mais rica do mundo, de acordo com dados de abril deste ano da revista Forbes.

“A riqueza que existe hoje é o resultado da extração histórica da vida e da paisagem terrestre”, ponderou o ativista, novamente vindo a público e propondo uma reflexão a todos quando se trata de meio ambiente e sociedade. O acadêmico ainda questionou se Roberto D’Ávila iria para “outro mundo” com Musk.

“Estou com raiva, a raiva me mantém vivo”, disse Krenak, quando perguntado sobre se estaria triste durante a entrevista.

Ailton acadêmico: tristeza e raiva para se manter vivo: "Agora não é só a Terra que chora" (Foto: Divulgação/ABL)
Ailton acadêmico: tristeza e raiva para se manter vivo: "Agora não é só a Terra que chora" (Foto: Divulgação/ABL)

Reações

Quem assistiu à entrevista foi às redes sociais e não pouparam comentários. A Revista Ecológico separou, abaixo, algumas reações.

“Ah... que bom uma luz da verdade... as ocorrências serão devastadoras... infelizmente!” - Roberto Olivi, no X

“Assistam para se refletir amigos!” - Silvia Barbosa, no X

“AILTON KRENAK, excelente, se auto entrevistou. Conceitos muito bons” - Lia, no X

“Estou apaixonado pelo Ailton Krenak!” - Marcelo Hailer, no X

“Que programa. GloboNews, Roberto D’Ávila com o escritor indígena Ailton Krenak, muito esclarecedor, a Globo tinha por obrigação colocar na TV aberta” - Daniel Sabag de Araújo, no X


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