“Meu nome é Txai Suruí. Eu tenho só 24, mas meu povo vive há pelo menos 6 mil anos na floresta Amazônica. Meu pai, o grande cacique Almir Suruí me ensinou que devemos ouvir as estrelas, a lua, o vento, os animais e as árvores.
Hoje o clima está esquentando, os animais estão desaparecendo, os rios estão morrendo, nossas plantações não florescem como antes. A Terra está falando. Ela nos diz que não temos mais tempo.
Uma companheira disse: vamos continuar pensando que com pomadas e analgésicos os golpes de hoje se resolvem, embora saibamos que amanhã a ferida será maior e mais profunda?
Precisamos tomar outro caminho com mudanças corajosas e globais.
Não é 2030 ou 2050, é agora!
Enquanto vocês estão fechando os olhos para a realidade, o guardião da floresta Ari Uru-Eu-Wau-Wau, meu amigo de infância, foi assassinado por proteger a natureza.
Os povos indígenas estão na linha de frente da emergência climática, por isso devemos estar no centro das decisões que acontecem aqui. Nós temos ideias para adiar o fim do mundo.
Vamos frear as emissões de promessas mentirosas e irresponsáveis; vamos acabar com a poluição das palavras vazias, e vamos lutar por um futuro e um presente habitáveis.
É necessário sempre acreditar que o sonho é possível.
Que a nossa utopia seja um futuro na Terra.
Obrigada!”
De volta ao Brasil, depois de brilhar como a primeira indígena brasileira convidada a discursar na Conferência do Clima da ONU, a jovem Txai Suruí, de 24 anos, não esqueceu o que protagonizou em Glasgow, nem perdeu o fio da memória. Pelo contrário, acompanhada de seu pai, o cacique Almir, a nova e emergente líder indígena aprofundou a questão. Isso se deu na véspera do “Dia do Estatuto da Terra”, durante o Programa Roda Viva, da TV Cultura, com transmissão também concorrida pela Rede Minas.
Influenciadora e “versão brasilis” da ativista sueca Greta Thunberg, de 19 anos, Txai não deixou pedra sobre pedra sobre a destruição jamais vista da Amazônia, invadida por garimpeiros, madeireiros e grupos que atuam ilegalmente na última e maior floresta tropical do planeta, com incentivo e omissão.
É o que a Ecológico revive aqui, com os melhores momentos e esperança de sua fala politicamente adequada, com um pedido corajoso e sábio de socorro.
Confira!
JUSTIÇA CLIMÁTICA
“Falar de justiça climática é falar também de uma luta antirracista, sobre desigualdades sociais e de gênero, porque são as mulheres indígenas e negras que mais sofrem hoje em dia, com as consequências do aquecimento global. É uma luta anticapitalista, porque é esse sistema que vem colocando, todos os dias, as nossas florestas e as nossas vidas como o lucro acima de tudo.
As empresas têm que participar desse nosso diálogo, porque são elas que mais poluem, e precisam ser responsabilizadas e comprometidas com essa pauta. E também porque nunca mudaremos se elas não conversarem com a gente.
Precisamos ter uma mudança de pensamento também nessas empresas. A sustentabilidade hoje é vendida como um rótulo, é isso que o capitalismo faz. Existem empresas que trouxeram uma grande destruição para as terras indígenas, mas também existem as que querem mudar e assumir esse compromisso com a pauta ambiental e a agenda climática.”
FIM DO MUNDO
“A gente não pode mais adiar o fim do mundo, temos que agir agora. Por que vamos deixar pra 2030 o que precisamos fazer agora, que é proteger a nossa floresta, a nossa Amazônia, que é essencial pro equilíbrio climático do planeta? Não podemos mais esperar. Os povos indígenas da Amazônia são essenciais para a vida de todo mundo.”
DESMATAMENTO DUPLO
“O Brasil não tem que acabar com o desmatamento ilegal, ele tem que acabar com o desmatamento. Estamos falando da maior floresta tropical do mundo, com a maior biodiversidade planetária. Não só em plantas naturais e medicinais que podemos trazer para o nosso povo, mas nas culturas indígenas e soluções sustentáveis que existem dentro da Amazônia.”
O CAMINHO CERTO
“Esse meu processo de formação política sempre foi muito difícil. Meu pai que é um grande líder e um grande guerreiro, já foi ameaçado de morte. Minha mãe é uma grande ativista ambiental. Ela doou a vida dela inteira pela luta dos seus povos. Não é fácil representar um povo inteiro, como fiz na COP-26. Em algum momento titubeei. Minha sorte é que sempre tive grandes exemplos que me mostraram e aconselharam ser esse o caminho certo. Quando a gente é indígena não tem nem pra onde correr. A luta é a nossa vida.”
OUVIR A NATUREZA
“Hoje eu moro em Porto Velho e estudo Direito, como um instrumento de luta, na defesa dos nossos direitos. Tento sempre conciliar essa educação com a sabedoria do povo tradicional, que é de saber ouvir a natureza, e levar isso para o mundo. Minha mãe trabalha em uma organização com vários outros povos indígenas. Eu tive o prazer de visitar muitas dessas terras e ver um pouco dessas culturas diferentes. As pessoas acham que os povos indígenas são todos iguais, quando na verdade cada um tem sua própria cultura, sua própria autonomia, sua história. Eu tive a felicidade de trazer tudo isso na construção da pessoa que eu sou hoje.”
“Se olharmos o mapa do Brasil vamos ver que só tem floresta de pé onde tem povos indígenas.”
MORTANDADE CRUEL
“Os povos de todas as terras indígenas do Brasil estão passando por um genocídio. O que está acontecendo com os Yanomami é um ataque aos direitos humanos. São crianças desnutridas e toda uma população envenenada. Também fomos afetados pela pandemia do Covid. Eu perdi a minha vó, meu pai perdeu a mãe. Perdi um tio e meu pai perdeu um irmão.
É até difícil falar sobre isso, mas perdemos não só a sabedoria do nosso povo, mas pessoas que estavam ao nosso lado e que a gente ama.
Eu trabalho em outras terras indígenas no estado de Rondônia. O que estamos vendo ali não é somente uma omissão da parte do governo em relação aos nossos territórios, mas também um incentivo à invasão. É um ataque aos nossos direitos, principalmente por parte do Legislativo.
Falar de povos indígenas é falar da vida do planeta.
Meu discurso na COP-26 foi justamente levar um pouco dessa realidade e da voz dos povos indígenas pro mundo. Levar a importância de estarmos no centro dessa discussão.”
LUTA BRASILIS
“Fiquei muito feliz por ter participado e pela visibilidade que eu recebi. Mas nós estamos em 2021. Será que isso não é tarde?
Quando é que vamos fazer parte do processo de decisão? Quando esse processo vai começar a respeitar a sabedoria dos povos indígenas, que vivem milenarmente em harmonia com a natureza? É importante mostrarmos para o mundo, que ainda não sabe, o que está acontecendo com as terras dos primeiros brasileiros nas terras indígenas. Nem o próprio Brasil sabe. É por isso que as pessoas ainda se chocam, quando veem essa nossa realidade. Até que elas entendam que a floresta vale muito mais em pé do que no chão, nós vamos continuar lutando, todos os dias de nossas vidas, para preservar esse planeta.”
A também jovem militante indígena Alice Pataxó, 19 anos, esteve na COP-26 para participar da versão jovem do evento sobre mudanças climáticas da ONU, o COY16, em Glasgow. Foi onde ela falou de sua missão pontual: “Não tivemos contato com integrantes do governo brasileiro, e nem gostaríamos, até porque não seríamos bem recebidos. Eles ficam dizendo que está tudo bem no Brasil. São absurdos que fomos ali para desmentir”.
Em suas redes, Alice Pataxó produz conteúdo direcionados às pessoas não-indígenas e para tanto utiliza referências do mundo pop:
“Eu já era ativa no movimento estudantil. Mas a reintegração de posse teve um reflexo muito forte na minha vida até hoje. É muito difícil lidar com o que aconteceu, mas isso me fez ter ainda mais garra na luta. Não desistir dela, porque eu sinto a minha responsabilidade e a necessidade de mudar as coisas, de permitir que isso não aconteça com outras crianças”, disse.
O ativismo de Alice começou após ela vivenciar a resistência dos indígenas à reintegração de posse na aldeia Araticum em 2015.
“Foi a primeira vez que saí do meu território, em um momento em que o Brasil vive uma forte decisão sobre as terras indígenas. Mas eu entendo a necessidade de me unir à juventude do mundo para falar sobre isso, para lutar pelo meio ambiente e criar soluções juntos. Estou orgulhosa de poder voltar para a minha casa e dizer para meu povo: não estamos mais sozinhos.”
POVOS PROTETORES
“Os líderes mundiais e, principalmente, os brasileiros devem considerar as comunidades indígenas para desenvolver suas políticas climáticas e de biodiversidade. Os povos tradicionais ocupam apenas 22% da superfície ocupada do planeta. E, ainda assim, protegem 80% das espécies de fauna e flora terrestres.”
Al Gore, ambientalista e ex-vice-presidente dos EUA
NAÇÃO INDÍGENA
“O futuro nos pede que compreendamos que o Brasil é uma nação primeiramente indígena e que depois se construiu na interação com outros mundos. O que buscamos para o futuro, especialmente em áreas de floresta, é o conhecimento do que já estava aqui antes.”
José Roberto Marinho, vice-presidente do Grupo Globo
REFUGIADOS CLIMÁTICOS
“O aumento da temperatura ainda tornará mais frequentes os limiares de tolerância térmica que têm implicações na agricultura e saúde humana. Ao mesmo tempo, a diminuição de chuvas em áreas já afetadas por estiagens, como o Nordeste, e o aumento de duração das secas, prejudicarão até a produção local para subsistência, contribuindo para o aumento dos refugiados climáticos.”
Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UNB)
ECONOMIA VERDE
“Manter a floresta em pé, vendendo créditos de carbono, é o que vai financiar uma nova economia, gerando novos empregos e renda.”
Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds)
BIOCOMBUSTÍVEIS
“O Brasil já comprovou o papel dos biocombustíveis na transição energética global para uma matriz mais limpa. Somos contra o desmatamento e entendemos que os biocombustíveis são uma rota para a recuperação das áreas já degradadas. Não quero ser cobrado pelas minhas filhas por não ter colaborado na luta por um mundo com menos poluição e aquecimento.”
Erasmo Carlos Battistella, CEO da BSBIOS, líder nacional em biodiesel
VOZ E OUVIDOS
“A COP-26 avançou no reconhecimento dos povos indígenas como protagonistas de um mundo de baixo carbono. Não há como atingir as metas de 1,5º sem a Amazônia, sem ouvir os seus povos tradicionais. E não se trata de dar voz, mas de escutá-los atentamente.”
Roberto Waack, presidente do Conselho do Instituto Arapiau
O etnônimo “Yanomami” foi produzido pelos antropólos a partir da palavra yanõmami que, na expressão Yanõmami thepe, significa “seres humanos”. Para os Yanomami, “Urihi”, a Terra-floresta, não é um mero espaço inerte de exploração econômica. Trata-se de uma entidade viva que chamamos de natureza, inserida numa complexa dinâmica cosmológica de intercâmbios entre humanos e não-humanos. Como tal, se encontra hoje ameaçada pela predação cega dos brancos”.
Na visão de Davi Kopenawa, “a Terra-floresta só pode morrer se for destruída pelos brancos:
“Então, os riachos sumirão, a terra ficará friável, as árvores secarão e as pedras das montanhas racharão com o calor.
Os espíritos xapiripe, que moram nas serras e ficam brincando na floresta, acabarão fugindo. Seus pais, os xamãs, não poderão mais chamá-los para nos proteger. Eles não poderão mais deter as fumaças das queimadas, as novas epidemias que virão e os seres maléficos que nos adoecem. A Terra-floresta se tornará seca e vazia. E assim, todos morrerão.”