O Fim da Mineração na Alemanha - Parte 2

A realidade absurda vivida por um país, um povo e um modelo de desenvolvimento econômico antes da consciência ecológica.
Hiram Firmino | redacao@revistaecologico.com
Inspiração
Edição 137 - Publicado em: 27/12/2021

A insustentabilidade do antes

Vista área do distrito de Ruhr: imagens de um passado recente.
Vista área do distrito de Ruhr: imagens de um passado recente.

Todo o horror ambiental desta foto ao lado representa o orgulho que os alemães tinham no auge da Revolução Industrial - quando a humanidade ainda não havia ouvido falar em meio ambiente, preservação da natureza e sustentabilidade. Estamos entrando no famoso Museu do Ruhr, na ex-cidade minerária de Essen, no antigo coração mínero-metalúrgico da Alemanha que hoje se esverdeia.

Imagine uma gigantesca usina de carvão transformada em memória viva de tudo que se degradou ali, piorado por duas guerras e bombar-deios mundiais. Imagine mais. Uma ex-planta industrial cujas instalações foram transformadas em espaços educativos e culturais, visitadas por milhares de pessoas anualmente vindas de todas as partes do mundo. É a comprovação do que o ser humano é capaz quando se vê no limite de sua sobrevivência e reconhece os erros que cometeu com planeta que o sustenta. A prova maior, como canta Caetano, de que somos capazes até de apagar as estrelas com a poluição. Mas também de reconstruir coisas belas. E voltar a vê-las num céu natural, sem nuvens de veneno e escuridão industrial.

Lembrança dos mineradores de carvão trabalhando abaixo da superfície: orgulho e contraste de uma época
Lembrança dos mineradores de carvão trabalhando abaixo da superfície: orgulho e contraste de uma época

Entendendo o planeta

A gente entra no museu alo-ja do, desde janeiro de 2008, na antiga usina Zeche Zoll verein. Sobe uma escada rolante moderníssima, com os degraus em movimento iluminados de vermelho e, no primeiro pavilhão, acontece a primeira aula magna de geologia e obviedade, se a situação global não fosse trágica: o Planeta Terra é um ser vivo, em movimento e transformação permanentes desde tempos cósmicos e imemoriais. Um ser mineral que pulsou antes, ainda pulsa e vai pulsar muito mais, com ou sem a nossa pre-sença, bobos e ignorantes que so-mos em não entendê-lo, amá-lo, preservá-lo e desfrutá-lo como o universo nos presenteou.

A tela de um visor digital se abre e mostra que, no seu surgimento, o planeta era um único bloco de terra (solos visíveis e submersos) cercado por água (mares) de todos os lados. E que depois de vários outros tempos em escala cósmica (não no tempo humano, no nosso irrisório relógio), esse bloco foi se frag-mentando na forma de placas tectônicas (*). Separando-se e se distanciando até a formação distinta dos continentes que temos hoje. E o que não conseguimos perceber tamanha a pequenez da nossa visão no meio deste acontecimento celeste: mesmo agredido, ele continua vivo, em movimento e transformação, alheio à nossa presença.

A FRAGILIDADE HUMANA
Eu me lembrei, na hora, de Luís Giffoni e de seu livro recente sobre a Serra do Curral (leia trecho na próxima página), onde ele confirma que o motor das grandes mudanças na superfície global do planeta continua sendo a tectônica de placas. Em outras palavras, a deriva ainda “viva” de “aproximadamente três dúzias de gigantescas placas da litosfera, que ainda se afastam e se aproximam uma das outras, à velocidade de dois a 10 centímetros por ano. Enquanto mutuamente se chocam, atritam, deslizam, afundam e levantam, criando e destroçando mares, ilhas, cordilheiras e vulcões. E dos terremotos e tsunamis que sempre acompanham esse violento, inevitável e permanente processo, sobretudo nos pontos de contato entre as placas mais dinâmicas, como hoje acontece mais no Pacífico, Nazca e nas Filipinas, protagonistas dos maiores tremores.

Lembrei-me, enfim, do que o ex-ministro de Meio Ambiente e ex-titular da Semad, José Carlos Carvalho, sempre gosta de nos repetir: que, na verdade, nós moramos numa espécie da casquinha de vida, tipo casquinha de ovo ao redor do planeta, somente onde esse milagre é possível. Se descermos mais de 10 quilometros planeta adentro, já não encontramos condições de viver. Morremos ferventes. Se subir-mos ao céu esse mesmo tanto, o ar já fica rarefeito, a vida também não acontece mais. A nossa fragilidade é deste tamanho.

Painel da natureza morta com que os alemães se depararam no auge da poluição industrial e os fizeram mudar de paradigma
Painel da natureza morta com que os alemães se depararam no auge da poluição industrial e os fizeram mudar de paradigma

Retirando o véu da poluição

A visita começa. E a gente descobre, de maneira simples, histórica e documental, como a Alemanha deu a volta por cima após 200 anos de sua também mais poluída impossível Revolução Industrial. Descobre porque, quatro das 11 cidades mais “verdes” do país considerado a maior e mais sustentável economia da Europa Ocidental estão ali, como Essen, na região do Ruhr, justamen-te onde a mineração floresceu, chegando a produzir 8,5 bilhões de toneladas de carvão.

A data da mudança, vários pai néis fotográficos em movimento nos comprovam, foi 1950. Nessa época, toda a Alemanha ainda vivia a fase áurea da industria-lização, o milagroso e patriótico desenvolvimento econômico impulsionado pelo pós-guerra. A mineração e a siderurgia no Vale do Ruhr, em particular, estavam voltadas estrategicamente para a fabricação de armas. Pouco se importavam em como cumprir o seu papel. Usavam a tecnologia que existia, ainda dissociada da consciência ambiental.

O viver que era normal, na época, ao lado das chaminés de um progresso sem qualidade de vida
O viver que era normal, na época, ao lado das chaminés de um progresso sem qualidade de vida


Com as pessoas, patrões e empregados, e suas cidades, ocorriam O mesmo. Mesmo elegantes, com sobretudos e chapéus charmosos da época, as populações urbanas viviam 24 horas por dia no entor-no direto das minerações e das chaminés de suas siderúrgicas. Seus carros viviam com as latarias “vestidas” para suportar tamanha corrosão química advinda das chamadas “chuvas ácidas”. Suas roupas, tal como suas crianças, secavam sob um sol que mal aparecia nos céus, tamanha e permanente fumaça escura e prejudicial. Era, enfim, um viver mineral e siderúrgico sem natureza, sem humanidade nem sustentabilidade.

Acrescentando o pensar

Foi quando caiu a ficha do “pensamento verde” que, na sequência, fez criar o Partido Verde Alemão, reivindicando o que nunca o povo alemão havia colocado sentido: mesmo prósperos economicamente, de repente os alemães se depararam com todos os seus rios poluídos ou mortos; seu ar rarefeito e ácido, os solos contaminados e sem árvores, removidos pela mineração em larga escala.

O questionamento sobre o que fizeram com a natureza e o meio ambiente teve início com o mesmo vigor que os fez renascerem das guerras mundiais. Quatorze anos depois, em 1964, a Alemanha fez aprovar a sua primeira legislação ambiental. Ela impôs limites severos para os índices de poluição hídrica e atmosférica. Mas esqueceu, não se atinou na mesma época, para a realidade de seus solos, ainda contaminados, remexidos e degradados pela mineração. A legislação específica para recuperá-los e mantê-los com qualidade só ocorreu em 1988, mais de duas décadas depois.

A sustentabilidade do depois

O resultado disso, você também confere aqui. Onde havia mineração insustentável antes e sustentável depois, após o esgotamento da vida útil de suas minas, virou solos recuperados, florestas plantadas, áreas verdes e novos parques públicos. Algo inimaginável pelas gerações do povo alemão durante a Revolução Industrial.

Os antigo e atual símbolos da usina zollverein transformada em museu. e hoje, a sua utilização como centro de cultura e lazer para a população: exemplo para o setor mínero-metalúrgico brasileiro
Os antigo e atual símbolos da usina zollverein transformada em museu. e hoje, a sua utilização como centro de cultura e lazer para a população: exemplo para o setor mínero-metalúrgico brasileiro
Pilha de rejeito de uma mina de carvão em Bottrop: revegetação em curso para ser transformada em mais uma área verde pública
Pilha de rejeito de uma mina de carvão em Bottrop: revegetação em curso para ser transformada em mais uma área verde pública

No detalhe assinalado acima de uma das maiores pilhas de rejeito, em bottrop, vê-se que antes mesmo de terminar a exploração do solo, a mineração já construiu e entregou à população um anfiteatro circular, com 800 lugares, chamado arena da montanha, onde acontecem vários eventos artísticos. isso colaborou para que a esverdeada essen, ex-cidade sede da mineração alemã, ganhasse o título, em 2010, de “capital europeia da cultura”. e sugere o que bh também pode fazer no antigo britador da ferrobel, no parque das mangabeiras ou na ex-mineração lagoa seca, na serra do curral.

Primeiro modelo de moradias ecoeficientes, com 72 casas unifamiliares, implantado na região do Ruhr, em 1999, onde antes era mineração: Energia solar para todos
Primeiro modelo de moradias ecoeficientes, com 72 casas unifamiliares, implantado na região do Ruhr, em 1999, onde antes era mineração: Energia solar para todos
Antiga pilha de escória no distrito de Essen Altenessen, cuja mina foi fechada em 1986  e está sendo também renaturalizada como parque ecológico para a população

Primeiro modelo de moradias ecoeficientes, com 72 casas unifamiliares, implantado na região do Ruhr, em 1999, onde antes era mineração: Energia solar para todos


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