No dia 30 de setembro de 2020 foi publicada a Lei nº 14.066, que altera em diversos pontos a Política Nacional de Segurança de Barragens (Lei nº 12.334/2010).
A nova lei, proposta em meio a um contexto de diversas outras reformas normativas relativas ao setor minerário apresentadas em reação ao desastre do rompimento das barragens da Vale em Brumadinho, possui diversos pontos de semelhança com a atual Política Estadual de Segurança de Barragens de Minas Gerais, a Lei 23.291/2019, conhecida como “Lei Mar de Lama Nunca Mais”. Entre eles estão a proibição da construção de barragens quando identificadas comunidades nas zonas de autossalvamento e da utilização do método a montante para a construção e alteamento de barragens, além da obrigação de descaracterização das barragens a montante já existentes.
Entre as diversas mudanças promovidas pela lei, observa-se uma clara tendência à redução da autorregulação, que é predominante no setor minerário. Apesar do propósito nobre, o legislador acabou por criar um novo problema: o aumento exacerbado das competências do órgão regulador, neste caso a Agência Nacional de Mineração (ANM), que se encontra historicamente sub-financiada.
O orçamento da ANM apresenta uma diminuição constante desde sua criação em 2017 pela Lei nº 13.575, e jamais chegou ao valor correspondente a 7% da CFEM, previsto pela Lei nº 13.540/2017. O valor atual, por si só, já representa uma redução em relação ao percentual de 12% da CFEM que era a cifra destinada ao DNPM, órgão predecessor da ANM.
Além disto, conforme divulgado pela mídia, a Agência Federal atualmente conta com pouco mais de 30 (trinta) servidores exclusivamente dedicados à fiscalização das mais de 800 barragens de mineração existentes no Brasil.
Além das dificuldades já enfrentadas pelo órgão fiscalizador, durante o trâmite do Projeto de Lei 550/2019, que deu origem à Lei 14.066/2020, uma das duas únicas provisões que foi objeto de veto pelo Presidente da República se refere à destinação das multas provenientes de sanções administrativas para o financiamento da Agência.
A Lei 14.066/2020, a despeito das dificuldades já enfrentadas pela ANM, confere 16 novas obrigações à Agência, que poderão ser cumpridas por meio da expedição de regulamentação ou pela ação direta de seus servidores, o que certamente lhes acarretará um aumento significativo da carga de trabalho.
Estas obrigações incluem a criação de um sistema de credenciamento de pessoas físicas e jurídicas habilitadas a atestar a segurança da barragem e a definição de quais empreendedores devem apresentar garantias financeiras para seus empreendimentos.
A nova lei, portanto, apesar de trazer diversos avanços, fortalece uma prática histórica e extremamente danosa de nosso país: a do estrangulamento dos órgãos fiscalizadores. O aumento das atribuições da ANM paralelamente à redução de seu orçamento caracteriza um contrassenso que salta aos olhos, e que pode impossibilitar a implementação adequada da nova legislação, tornando-a letra morta.
(*) Promotora de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).