Pantanal Mato-grossense

No centro da América do Sul, dentro da Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai, uma das maiores extensões úmidas do planeta esbanja sua biodiversidade exuberante. Pena que a riqueza nacional seja tão pouco conhecida dos brasileiros.
Cíntia Melo - cintia@souecologico.com

Edição 36 - Publicado em: 30/11/-0001

Ver o Pantanal com todos os seus bichos e plantas de perto costuma ser motivo de muita alegria, certo? Só que no meu caso, o encantamento diante do safári brasileiro veio acompanhado também de uma espécie de culpa por não ter podido compartilhar o paraíso ecológico com algumas pessoas que amo. Sabe remorso de mãe quando come um bolo delicioso longe da presença do filho? Foi parecido com o que senti.
 

Felizmente, frente à natureza deslumbrante todo sentimento humano pode ser relevado.
A paisagem aberta da planície pantaneira convida à contemplação. O pôr do sol é capaz de acalmar o coração do mais bruto dos mortais. E a vegetação variada, de jenipapos, embaúbas, ingazeiros, figueiras, e da famosa palmeira de acuri, de cujos frutos se alimentam as araras-azuis, que enfeita as margens dos rios, enche nossos olhos!
Quanto à fauna, que atrai turistas de todo o mundo, essa é um verdadeiro esbanjo! Para onde quer que a gente olhe, tem bicho. É possível dar de cara com tuiuiús, capivaras, garças, veados-campeiros, capivaras e tamanduás naturalmente. A onça-pintada também está lá, embora um pouco mais escondida.

 

Lembro-me de ter visto jacarés aos montes logo no primeiro dia. E de ter telefonado para minha filha em BH (uma declarada apaixonada pelo bicho), brincando que jacaré no Pantanal é igual galinha em Minas, de tanto que tem. E do resmungo (de quem queria mais do que tudo estar ali) que ouvi do outro lado da linha: “Ah, mãe... Por favor, traz um pra mim?” Claro que catei tudo quanto foi camiseta, boné, chaveiro e até livrinho de jacaré que encontrei por lá para aliviar um pouco meu coração partido.
 

O turismo no Pantanal é muito caro. O custo de cinco diárias numa pousada como a que fiquei hospedada gira em torno de R$ 10.000, com pensão completa. Acrescente a isso as despesas com passagens e traslados e já temos o bastante para explicar o grande número de estrangeiros que visitam o bioma (contra o pequeno percentual de brasileiros) e o fato de que eu, uma bióloga apaixonada por ecoturismo, só tenha conhecido o Pantanal dois anos atrás, em uma viagem a trabalho.
 

Portanto, se você, meu caro leitor, assim como minha filha e outros tantos milhões de brasileiros, ainda não viu essa riqueza natural de perto, aproveite nossa “viagem” aqui no Ecológico nas Escolas.

Biodiversidade única - O Pantanal brasileiro, apesar do nome, não é bem um sinônimo de pântano. Mas de uma imensa baixada sedimentar que fica parcialmente submersa ao longo do rio Paraguai e seus tributários, por ocasião das enchentes. Ele fica dentro dos 500.000 km2 da Bacia do Alto Paraguai, ocupando uma área maior que os estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo juntos. Dividida em 11 sub-regiões distintas, a planície apresenta particularidades quanto ao regime de inundação, drenagem, vegetação e relevo.
Pertencente à lista da Unesco como Patrimônio Natural da Humanidade e definido pela Constituição como Patrimônio Nacional, o Pantanal cobre uma área de quase 210 .000 km2, dos quais 70% estão no Brasil (nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul); 10% no Paraguai e 20% na Bolívia.

 

Existem no bioma duas estações bastantes distintas: a cheia e a seca (entre maio e outubro). Durante a época das chuvas, a planície pantaneira funciona como uma grande esponja, recebendo as águas da parte alta. O ciclo de inundação obedece às chuvas da Bacia do Alto Paraguai no período que vai de setembro a janeiro (ao norte do Pantanal), e de novembro a março, em sua porção sul. 
 

Num único dia, as chuvas despejam 178 bilhões de litros de água no bioma. Essa aguaceira toda só pode sair pelo Rio Paraguai e como ele escoa apenas metade disso, um quarto do Pantanal fica debaixo d’água durante aproximadamente três meses.
É quando rios, lagoas e riachos ficam interligados por canais e lagunas ou desaparecem naquele mundo de água, permitindo o deslocamento de várias espécies num processo que responde pela renovação da vida dentro do bioma.

 

Já na estação seca, formam-se lagoas isoladas responsáveis por reter uma grande quantidade de peixes e plantas aquáticas. À medida que os corpos de água vão secando, a fauna local começa a se concentrar na procura de alimento. Por isso, visitar o Pantanal nessa época é garantia de vislumbrar diversas espécies.
 

Considerado ecorregião, por agrupar em sua área o Cerrado, a Amazônia, a Mata Atlântica, entre outros ecossistemas, o bioma possui uma área de conservação que é o Parque Nacional do Pantanal, de 135 mil hectares. Mas vem sofrendo a ausência de políticas públicas de preservação.
Degradação à vista - No ano passado, um estudo realizado pelas ONGs Ecoa-Ecologia e Ação, Conservação Internacional, Fundação Avina, SOS Pantanal e WWF-Brasil, com o apoio técnico da Embrapa Pantanal, mostrou um Pantanal vulnerável principalmente em razão dos impactos ocorridos na parte alta da Bacia do Alto Paraguai (BAP).  Enquanto a planície inundável mantém 86,6% da sua cobertura vegetal natural, no planalto da BAP apenas 43,5% da área ainda possui vegetação nativa.

 

O estudo teve como base inicial dados do Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira (Probio), do Ministério do Meio Ambiente. O trabalho contou com a análise de mapas e imagens de satélite. Além disso, foram feitas visitas de campo para coletar dados e entrevistas com especialistas.
Os dados de 2008 mostram que a pecuária é o uso antrópico (pela ação humana) mais representativo na BAP, respondendo por 11,1% da área da planície e por 43,5% da área do planalto. Já a agricultura, que ocorre em apenas 0,3% da planície, ocupa uma área de 9,9% do planalto.

 

No centro da América do Sul, dentro da Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai, uma das maiores extensões úmidas do planeta esbanja sua biodiversidade exuberante.

Pena que a riqueza nacional seja tão pouco conhecida dos brasileiros BAP teve uma perda de 4% de sua vegetação natural, sendo 2,4% da planície, o que pode afetar o ciclo hidrológico do bioma.
“A planície inundável do Pantanal depende das águas que nascem de suas partes altas. O ciclo hidrológico – com águas que sobem na época das águas e baixam na estação seca, deve ser preservado e respeitado, já que é um dos grandes responsáveis pela biodiversidade única do bioma no planeta”, observa Patrícia.

Sem proteção - As principais atividades econômicas desenvolvidas no Pantanal são a pecuária, a pesca, a extração de minérios, a agricultura e o turismo de pesca, ecológico e rural. O desenvolvimento destes últimos tem contribuído para o fortalecimento da infraestrutura hoteleira local.
A pecuária, atividade tradicional que se expandiu com o fim do ciclo do ouro na região, conta atualmente com mais de 3,5 milhões de cabeças e está condicionada ao regime anual de cheia e seca. Quando ocorre o aumento das águas o gado é retirado para as partes mais altas e, na baixa das águas, o rebanho faz o caminho inverso.

 

Desenvolvida de maneira extensiva nas pastagens naturais de grandes propriedades, a pecuária no Pantanal já não é mais a mesma. Muitas fazendas herdadas pelos filhos de grandes pecuaristas da região estão sendo divididas e arrendadas para grupos de fora.
Isso explica a introdução, nos últimos anos, de práticas como a substituição de pastagens nativas por espécies exóticas, a retirada da vegetação ciliar e o uso de biocidas.

 

“O Pantanal ainda mantém grande remanescente de vegetação em função do próprio pantaneiro. São eles que cuidam do bioma. Só que essa tradição está dando lugar ao desmatamento, com índice avançado principalmente no Alto Paraguai, região bastante representativa do Cerrado”, lamenta Adriana Panhol Bayma, da Gerência de Conservação da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente.
 

“Quem vem de fora não tem o mínimo contato com a cultura local e acaba plantando uma gramínea exótica que passa a funcionar como invasora, atacando e asfixiando a própria vegetação nativa. Isso afeta toda a ecologia da região. Sem falar no desmatamento para o plantio de cana nas áreas altas (de Cerrado) que abastecem a planície. Isso é gravíssimo! Se quisermos cuidar do Pantanal temos de proteger o Cerrado que o contempla urgentemente”, completa.
 

Adriana diz que o Ministério do Meio Ambiente tomou conhecimento do diagnóstico elaborado pelas ONGs da região no ano passado. Mas, por enquanto, não há nada de concreto no que diz respeito a planos de proteção para o bioma.
 

“Ainda não temos nada direcionado para a região em termos de políticas públicas, mas estamos nos reestruturando internamente no governo com as novas cadeiras que estão tomando posse. Além disso, os recursos estão escassos. Programas que não existiam ou não estavam mais em vigor têm de esperar o momento certo para começar a serem trabalhados.”

Paraíso ecológico ameaçado - Enquanto isso, outras atividades como a mineração e a siderurgia avançam sobre o Pantanal. Na parte sul há a exploração do ferro, manganês e do calcário. Já em sua porção norte, são retirados o ouro e o diamante. A mineração se dá em dois complexos periféricos do Pantanal: Maciços do Urucum e Cuiabá-Cáceres.
Empresas como Vale, Rio Tinto e EBX são responsáveis, além da mineração, pela produção de ferro-gusa e aço na região. No Urucum, município de Corumbá, está uma das maiores jazidas de manganês da América Latina, com mais de 100 bilhões de toneladas. Estima-se que as reservas de ferro cheguem a dois bilhões de toneladas.

 

Os impactos ambientais gerados na região preocupam. “A Embrapa Pantanal, em parecer elaborado sobre os empreendimentos, teme a poluição da água, mesmo que se tomem todos os cuidados necessários, já que sempre há a possibilidade de acidentes”, relata Patrícia, da Ecoa-Ecologia.
 

Umas das atividades mais tradicionais do bioma é a pesca. E está para o Pantanal assim como o trigo está para o pão. Os peixes constituem um dos maiores compartimentos de reserva viva de nutrientes e energia do Pantanal, garantindo a sobrevivência de inúmeras outras espécies e o equilíbrio do bioma.
Além de rica fonte de proteínas para as populações ribeirinhas, a pesca profissional, por exemplo, viabiliza a subsistência de pelo menos 3.500 pescadores em toda a região. As espécies mais capturadas são o pacu, o pintado, o jaú, a cachara e o dourado.

Desconhecido - No poema “Último Olhar”, Carlos Drummond de Andrade nos dirige um verso que diz que o Pantanal “é o aqui e o agora de um Brasil que é teu e desconheces.”
O poeta está certo. À cata de informações sobre o percentual de brasileiros que visita o bioma anualmente fui orientada pelo Ministério do Turismo a procurar pelas secretarias de turismo estaduais do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. E a constatação é de que o Pantanal está para os estrangeiros, assim como Guarapari (ES) está para os mineiros.

 

Quem comprova é Ivone Hermenegildo, natural de Miranda (MS) e gerente do Sistema de Informações da Fundação de Turismo de Mato Grosso do Sul. Para ela, o motivo de destinos como o Pantanal ter sido esquecido no Brasil se deve ao fato do carro-chefe do turismo no país ter sido sempre a costa brasileira. Pesquisa recente realizada pela Fundação aponta 92,6% de estrangeiros na Estrada Parque Pantanal (destino turístico dos mais procurados, que corta duas das 11 sub-regiões pantaneiras: Nhecolândia e Pantanal do Abobral).
 

“Identificamos turistas franceses, americanos, japoneses, de diversas partes do mundo na Estrada Parque. Houve períodos em que esse número chegou a 99%. Já os turistas brasileiros quase não aparecem no estudo”, revela Ivone.
Ela reconhece que a viagem para o bioma cabe no bolso de poucos brasileiros. Mas acredita que o fato de a divulgação do ecoturismo por aqui ser mais recente (tanto quanto a leitura que se faz hoje da importância da preservação do planeta) também influi na baixa visitação de brasileiros. Mesmo assim, ela é otimista.

 

“O Brasil é um destino de natureza por excelência. Há muito a se contemplar. A tendência, em função da política de sustentabilidade do planeta hoje é que o turismo no Pantanal cresça cada vez mais entre estrangeiros e brasileiros também,” conclui.
Como aqui na Ecológico acreditamos que conhecer é o primeiro passo para amar e preservar, quem sabe com a concretização da previsão de Ivone a proteção desse paraíso ecológico nacional ganhe mais força e se confirme?   


O bioma
Nem só de jacarés, onça-pintada e tuiuiús vive a fauna do Pantanal. Lá estão também a ariranha, o macaco-prego, o cervo-do-pantanal, o tatu, o bicho-preguiça, o tamanduá, diversas espécies de lagartos, cágados, jabutis, a jiboia e a sucuri e vários pássaros como o tucano, o jaburu, o papagaio, as emas e os gaviões.
O Pantanal possui também uma rica variedade de plantas e extensa vegetação de gramíneas. Nas regiões intermediárias, desenvolvem-se pequenos arbustos e vegetação rasteira. Já nas regiões mais altas, podemos encontrar árvores de grande porte como a aroeira, o ipê, o angico e o cambará, típico do bioma.

SITES E LIVROS

OBSERVATÓRIO ECO
www.observatorioeco.com.br
O portal, destinado, principalmente, aos profissionais da área jurídica, promove o debate do direito ambiental em relação à preservação coerente do planeta e da vida humana. O objetivo é criar uma plataforma informativa de discussão e reflexão.

PORTAL SOCIOAMBIENTAL
www.socioambiental.org
Propor soluções sustentáveis e integradas a questões sociais e ambientais é o objetivo principal do portal. Seguindo essa linha, o site trabalha na defesa dos bens e direitos humanos, coletivos e difusos relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural e de todos os povos, valorizando a diversidade socioambiental.

Fundada por professores, pesquisadores e profissionais liberais, sua missão é trabalhar o tema meio ambiente, desenvolvendo a cidadania a partir da educação ambiental.

“1001 Maneiras de Salvar o Planeta”
Joanna Yarrow
384 páginas, R$ 34
Editora PubliFolha
O livro sugere práticas que garantem um futuro mais promissor ao planeta. Para vencer o desafio, ensina a economizar energia, poluir menos o ar e manter um ritmo de vida menos acelerado. Ainda apresenta uma lista de portais que falam de alternativas de preservação da Terra.

"Consumo consciente, comércio justo"
Elias Fajardo
136 páginas, R$ 25,11
Editora Senac
Encarar comércio justo e consumo consciente como fatores econômicos capazes de mudar o comportamento de consumidores, empresários e investidores é a proposta dessa obra que, além de apresentar experiências bem-sucedidas no Brasil e no mundo, reúne  entrevistas com especialistas.

Último Olhar

“Pára, contempla, observa:
Não são miragens de um mundo perdido no tempo ou no sonho. Em que a vida brincasse de fazer coisas imensas e pequenas coisas misteriosas (...). É o aqui e o agora de um Brasil que é teu e desconheces. São as árvores, os bichos,  as águas, os crepúsculos do Pantanal Mato-grossense. Todo um mundo natural  que pede para ser compreendido, amado, respeitado. Olha bem, olha mais. Cada imagem é uma história (...) te convidando a zelar pela maravilha desta planície em que tudo emerge. Do sétimo dia da Criação e tudo é novo como o primeiro raio de sol . Ao amanhecer.”

Carlos Drummond de Andrade

SER SUSTENTÁVEL É...
CELEBRAR A VIDA SEM CIGARRO

Se você já parou de fumar, que tal plantar uma árvore para comemorar a data de aniversário da última baforada? Todos os anos, 200 mil hectares de florestas dão lugar a plantações de tabaco. Com os pulmões mais limpos, é hora de fortalecer os pulmões do planeta!


Postar comentário