No último dia 24 de agosto, Belo Horizonte "parou". Mais de nove mil pessoas fecharam a Avenida Afonso Pena, principal via da cidade, durante manifestação de professores que reivindicavam aumento de salário. Em greve há mais de três meses, eles saíram em passeata pelas ruas da capital e provocaram um congestionamento sem precedentes: para se ter ideia, um percurso que antes se fazia em 20 minutos virou uma jornada infernal de uma hora e meia!
Para quem pensava em chegar em casa, depois de um dia inteiro de trabalho, foi uma tortura. Durante a confusão, viam-se motoristas e passageiros exaustos dentro dos ônibus. Entre os carros, motos cortavam o trânsito parado enquanto policiais e guardas municipais tentavam amenizar os ânimos mais alterados.
A culpa é apenas dos manifestantes? Talvez. Manifestar-se é uma ação legítima, sem dúvida, se você quer ser notado e respeitado - e nesse caso a luta deles tem fundamento. Mas parar a cidade, com o trânsito caótico que temos, não é um desrespeito? E mais um complicador preocupante, se pensarmos ainda na nossa insustentável frota de veículos.
Segundo o tenente-coronel Roberto Lemos, comandante do Batalhão da Polícia de Trânsito de Belo Horizonte, em 2001 a cidade registrava 706 mil veículos circulando pelas ruas. Até junho deste ano, pasmem, o índice aumentou 84%, ultrapassando 1,5 milhão. "As estimativas indicam também que, em 2020, o número de motocicletas irá se igualar ao de carros. Aliada à facilidade para se adqurir um veículo hoje, com juros baixos e IPI zero, se não forem feitos mais investimentos em infraestrutura e gestão das vias, o trânsito se tornará insustentável", afirmou ele, durante o 9º Seminário Meio Ambiente e Cidadania, realizado pelo Jornal Hoje em Dia em 25 e 26 de agosto último no Hotel Mercure, na Cidade-Jardim.
Quando Belo Horizonte, a primeira capital projetada do Brasil, foi construída em 1897 (sob coordenação do engenheiro Aarão Reis), é claro que não se pensava que 114 anos o município receberia 2,4 milhões de habitantes. Ou seja, em pouco mais de 100 anos, a população cresceu 7,6 vezes os 200 mil habitantes originalmente previstos. Tampouco previra que, com o capitalismo pilotando o progresso econômico, seria hoje tão fácil comprar um carro ou moto - a tal ponto que, nas próximas décadas, como afirmou Lemos, a proporção poderá ser de um veículo para 1,76 habitante na capital.
Andar de metrô ou bicicleta, infelizmente, não faz parte da cultura do belo-horizontino. Para completar, nosso metrô, uma opção sustentável de deslocamento, não atinge nem 10% da mobilidade urbana. Mais de 160 mil passageiros/dia se acotovelam nos vagões, fora os atrasos, a falta de educação, a capacidade esgotada em alguns trechos, as greves... Com isso, qual a opção nos resta? Transporte individual, o que explica o aumento da frota na cidade.
"De forma geral, o transporte coletivo perdeu qualidade, o que também acelerou a migração para este tipo de transporte. Mas devemos incentivar outras formas de deslocamento, como a caminhada, e respeitar o pedestre. A capa do disco Abbey Road, dos Beatles, é a maior propaganda da história sobre isso. Deve-se melhorar as calçadas e restringir o trânsito de carros na Região Central, reduzindo as vagas em grandes vias, como nas avenidas Amazonas e Afonso Pena", ressalta Marcelo Cintra, presidente da BHTrans.
Mas a questão do transporte ainda é mais complexa e envolve muitos outros fatores, principalmente ambientais. Segundo o Estudo de Deseconomias Urbanas, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), as emissões anuais de gases do efeito estufa extrapolam 52,6 toneladas de hidrocarbonetos e 2.851 t de óxido de carbono. Há de se considerar, também, depois da perda de qualidade do ar, o risco de acidentes, apesar de dados estatísticos da capital comprovarem que o índice, felizmente, tem diminuído (proporção de 25 mortes para 100.000 habitantes, em 1991, caiu para 12,21 em 2010).
Crescimento desordenado - O aumento do número de veículos está diretamente relacionado ao crescimento desordenado das grandes cidades. Com BH não é diferente. Antes referência em planejamento, hoje corre o risco de virar uma extensa selva de concreto (como mostramos nas edições 33 e 34 da ECOLÓGICO, sobre a polêmica expansão dos vetores Norte e Sul), caso seu crescimento não seja ambientalmente sustentado.
"Vivemos 20 anos sem planejamento e, após a Constituição, houve um afrouxamento das políticas urbanas. Há também uma falta de integração entre as cidades da Região Metropolitana e temos exemplos claros, como o do bairro Belvedere, uma área de zoneamento não-planejado entre dois municípios. Ou seja: cresce a capital e a população, mas a mobilidade das pessoas, o trânsito e o meio ambiente são prejudicados", ressaltou Camilo Fraga Reis, diretor-geral da Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Para Madalena Soares, secretária-adjunta de Gestão Compartilhada da prefeitura de BH, é melhor para a cidade o crescimento do número de prédios, na área central, do que a sua construção em regiões distantes. "A cidade tem de controlar o crescimento. Quanto maior a mancha urbana, maior a necessidade de transporte público."
Já o bom momento do setor imobiliário encobre outro problema: os índices do déficit habitacional no país. José Oswaldo Lasmar, economista e pesquisador da Fundação João Pinheiro, também presente no seminário, afirmou que BH apresenta o terceiro maior déficit habitacional do país (11,51%). "No Brasil há sete milhões de domicílios vagos, sendo 6,3 milhões em condição de serem habitados. Ora, se há tanto lugar para morar, para que construiremos mais? O que se precisa fazer é adequação fundiária. As principais áreas metropolitanas do país abrigam 1,537 milhão de domicílios classificados como déficit, representando 27,7% das carências habitacionais brasileiras", questiona.
A expansão imobiliária, principalmente em BH, contrasta com as favelas e as regiões com população de baixa renda. A pressão urbana da capital acabou por empurrar essa parcela de cidadãos para os arredores da cidade. Com isso, há adensamento excessivo nas moradias, aumento do desemprego e violência. "Ribeirão das Neves é um exemplo da exclusão social do processo de metropolização", indica José Fernando Vilela, consultor técnico do Sinduscon. Enquanto a RMBH cresceu 17%, a cidade avançou 21,36% entre as décadas de 1970 e 1980.
Solução à vista - Pergunta que fica: é possível um futuro sustentável para a Cidade-Jardim? Um planejamento estratégico que possa interagir com a dinâmica social, com qualidade de vida, aliando crescimento econômico e respeito à natureza? Sim. Esse é o cenário que se pretende - e é possível - para a RMBH nos próximos anos.
Para isso, o governo do Estado e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) elaboraram o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI), que possibilitará a reestruturação territorial da região a fim de reduzir as desigualdades socioespaciais e proporcionar melhor habitabilidade e mobilidade urbanas.
Lançado em setembro de 2009, o PDDI também ganhou um outro aliado de peso: o projeto BH 2030, elaborado pela prefeitura de BH (veja a seguir) que traça quatro cenários possíveis para a capital mineira nos próximos 20 anos. Neles estão contemplados desde projetos de infraestrutura, proteção ambiental, gestão de resíduos e, claro, a questão dos transportes, hoje um dos problemas que mais impactam a vida dos belo-horizontinos.
"Precisamos criar novas centralidades a partir de um sistema de transporte articulado, que é indutor do crescimento, é uma das alternativas. O peso da política de transporte, na verdade, incidirá mais sobre a gestão das cidades do que a oferta de novas estruturas", afirma Madalena Soares, da PBH.
"É implantar um anel viário no contorno Norte, aproveitar a malha viária existente. Criar e fortalecer estruturas urbanas compactadas para que o transporte seja eficiente", explica. Entre as outras soluções apontadas pela secretária-adjunta de Gestão Compartilhada estão a unificação política de todos os níveis de governo, integração física e tarifária que beneficie os usuários e, principalmente, uma política integrada de uso do solo, que contemple a utilização dos espaços sem conflitos ou prejuízo à natureza.
O SEMINÁRIO
Uma iniciativa do Jornal Hoje Em Dia, o Seminário Meio Ambiente e Cidadania está em sua nona edição. Este ano, o foco dos debates foi “Sustentabilidade e o Desafio das Cidades”, onde foram discutidos temas como crescimento desornenado, trânsito e transportes e o destino do lixo.