OS VILÕES DE BH

Dois dos temas do 9º Seminário Meio Ambiente e Cidadania, promovido pelo Jornal Hoje em Dia, trânsito caótico e expansão desordenada podem transformar a Cidade-Jardim em um local insustentável para se viver
Luciano Lopes - luciano@souecologico.com

Edição 36 - Publicado em: 30/11/-0001

No úl­ti­mo dia 24 de agos­to, Be­lo Ho­ri­zon­te "pa­rou". Mais de no­ve mil pes­soas fe­cha­ram a Ave­ni­da Afon­so Pe­na, prin­ci­pal via da ci­da­de, du­ran­te ma­ni­fes­ta­ção de pro­fes­so­res que rei­vin­di­ca­vam au­men­to de sa­lá­rio. Em gre­ve há mais de três me­ses, eles saí­ram em pas­sea­ta pe­las ruas da ca­pi­tal e pro­vo­ca­ram um con­ges­tio­na­men­to sem pre­ce­den­tes: pa­ra se ter ideia, um per­cur­so que an­tes se fa­zia em 20 mi­nu­tos vi­rou uma jor­na­da in­fer­nal de uma ho­ra e meia!
Pa­ra quem pen­sa­va em che­gar em ca­sa, de­pois de um dia in­tei­ro de tra­ba­lho, foi uma tor­tu­ra. Du­ran­te a con­fu­são, viam-se mo­to­ris­tas e pas­sa­gei­ros exaus­tos den­tro dos ôni­bus. En­tre os car­ros, mo­tos cor­ta­vam o trân­si­to pa­ra­do en­quan­to po­li­ciais e guar­das mu­ni­ci­pais ten­ta­vam ame­ni­zar os âni­mos mais al­te­ra­dos.
A cul­pa é ape­nas dos ma­ni­fes­tan­tes? Tal­vez. Ma­ni­fes­tar-se é uma ação le­gí­ti­ma, sem dú­vi­da, se vo­cê quer ser no­ta­do e res­pei­ta­do - e nes­se ca­so a lu­ta de­les tem fun­da­men­to. Mas pa­rar a ci­da­de, com o trân­si­to caó­ti­co que te­mos, não é um des­res­pei­to? E mais um com­pli­ca­dor preo­cu­pan­te, se pen­sar­mos ain­da na nos­sa in­sus­ten­tá­vel fro­ta de veí­cu­los.
Se­gun­do o te­nen­te-co­ro­nel Ro­ber­to Le­mos, co­man­dan­te do Ba­ta­lhão da Po­lí­cia de Trân­si­to de Be­lo Ho­ri­zon­te, em 2001 a ci­da­de re­gis­tra­va 706 mil veí­cu­los cir­cu­lan­do pe­las ruas. Até ju­nho des­te ano, pas­mem, o ín­di­ce au­men­tou 84%, ul­tra­pas­san­do 1,5 mi­lhão. "As es­ti­ma­ti­vas in­di­cam tam­bém que, em 2020, o nú­me­ro de mo­to­ci­cle­tas irá se igua­lar ao de car­ros. Alia­da à fa­ci­li­da­de pa­ra se ad­qurir um veí­cu­lo ho­je, com ju­ros bai­xos e IPI ze­ro, se não fo­rem fei­tos mais in­ves­ti­men­tos em in­fraes­tru­tu­ra e ges­tão das vias, o trân­si­to se tor­na­rá in­sus­ten­tá­vel",  afir­mou ele, du­ran­te o 9º Se­mi­ná­rio Meio Am­bien­te e Ci­da­da­nia, rea­li­za­do pe­lo Jor­nal Ho­je em Dia em 25 e 26 de agos­to úl­ti­mo no Ho­tel Mer­cu­re, na Cidade-Jardim.
Quan­do Be­lo Ho­ri­zon­te, a pri­mei­ra ca­pi­tal pro­je­ta­da do Bra­sil, foi cons­truí­da em 1897 (sob coor­de­na­ção do en­ge­nhei­ro Aa­rão Reis), é cla­ro que não se pen­sa­va que 114 anos o mu­ni­cí­pio re­ce­be­ria 2,4 mi­lhões de ha­bi­tan­tes. Ou se­ja, em pou­co mais de 100 anos, a po­pu­la­ção cres­ceu 7,6 ve­zes os 200 mil ha­bi­tan­tes ori­gi­nal­men­te pre­vis­tos. Tam­pou­co previra que, com o ca­pi­ta­lis­mo pi­lo­tan­do o pro­gres­so eco­nô­mi­co, se­ria ho­je tão fá­cil com­prar um car­ro ou mo­to - a tal pon­to que, nas pró­xi­mas dé­ca­das, co­mo afir­mou Le­mos, a pro­por­ção po­de­rá ser de um veí­cu­lo pa­ra 1,76 ha­bi­tan­te na ca­pi­tal.
An­dar de me­trô ou bi­ci­cle­ta, in­fe­liz­men­te, não faz par­te da cul­tu­ra do be­lo-ho­ri­zon­ti­no. Pa­ra com­ple­tar, nos­so me­trô, uma op­ção sus­ten­tá­vel de des­lo­ca­men­to, não atin­ge nem 10% da mo­bi­li­da­de ur­ba­na. Mais de 160 mil pas­sa­gei­ros/dia se aco­to­ve­lam nos va­gões, fo­ra os atra­sos, a fal­ta de edu­ca­ção, a ca­pa­ci­da­de es­go­ta­da em al­guns tre­chos, as gre­ves... Com is­so, qual a op­ção nos res­ta? Trans­por­te in­di­vi­dual, o que ex­pli­ca o au­men­to da fro­ta na ci­da­de.
"De for­ma ge­ral, o trans­por­te co­le­ti­vo per­deu qua­li­da­de, o que tam­bém ace­le­rou a mi­gra­ção pa­ra es­te ti­po de trans­por­te. Mas de­ve­mos in­cen­ti­var ou­tras for­mas de des­lo­ca­men­to, co­mo a ca­mi­nha­da, e res­pei­tar o pe­des­tre. A ca­pa do dis­co Ab­bey Road, dos Bea­tles, é a maior pro­pa­gan­da da his­tó­ria so­bre is­so. De­ve-se me­lho­rar as cal­ça­das e res­trin­gir o trân­si­to de car­ros na Re­gião Cen­tral, re­du­zin­do as va­gas em gran­des vias, co­mo nas ave­ni­das Ama­zo­nas e Afon­so Pe­na", res­sal­ta Mar­ce­lo Cin­tra, pre­si­den­te da BHTrans.
Mas a ques­tão do trans­por­te ain­da é mais com­ple­xa e en­vol­ve mui­tos ou­tros fa­to­res, prin­ci­pal­men­te am­bien­tais. Se­gun­do o Es­tu­do de De­se­co­no­mias Ur­ba­nas, do Ins­ti­tu­to de Pes­qui­sa Eco­nô­mi­ca Apli­ca­da (Ipea), as emis­sões anuais de ga­ses do efei­to es­tu­fa ex­tra­po­lam 52,6 to­ne­la­das de hi­dro­car­bo­ne­tos e 2.851 t de óxi­do de car­bo­no. Há de se con­si­de­rar, tam­bém, de­pois da per­da de qua­li­da­de do ar, o ris­co de aci­den­tes, ape­sar de da­dos es­ta­tís­ti­cos da ca­pi­tal com­pro­va­rem que o ín­di­ce, fe­liz­men­te, tem di­mi­nuí­do (pro­por­ção de 25 mor­tes pa­ra 100.000 ha­bi­tan­tes, em 1991, caiu pa­ra 12,21 em 2010).

Cres­ci­men­to de­sor­de­na­do - O au­men­to do nú­me­ro de veí­cu­los es­tá di­re­ta­men­te re­la­cio­na­do ao cres­ci­men­to de­sor­de­na­do das gran­des ci­da­des. Com BH não é di­fe­ren­te. An­tes re­fe­rên­cia em pla­ne­ja­men­to, ho­je cor­re o ris­co de vi­rar uma ex­ten­sa sel­va de con­cre­to (co­mo mos­tra­mos nas edi­ções 33 e 34 da ECO­LÓ­GI­CO, so­bre a po­lê­mi­ca ex­pan­são dos ve­to­res Nor­te e Sul), ca­so seu cres­ci­men­to não se­ja am­bien­tal­men­te sus­ten­ta­do.
"Vi­ve­mos 20 anos sem pla­ne­ja­men­to e, após a Cons­ti­tui­ção, hou­ve um afrou­xa­men­to das po­lí­ti­cas ur­ba­nas. Há tam­bém uma fal­ta de in­te­gra­ção en­tre as ci­da­des da Re­gião Me­tro­po­li­ta­na e te­mos exem­plos cla­ros, co­mo o do bair­ro Bel­ve­de­re, uma área de zo­nea­men­to não-pla­ne­ja­do en­tre dois mu­ni­cí­pios. Ou se­ja: cres­ce a ca­pi­tal e a po­pu­la­ção, mas a mo­bi­li­da­de das pes­soas, o trân­si­to e o meio am­bien­te são pre­ju­di­ca­dos", res­sal­tou Ca­mi­lo Fra­ga Reis, di­re­tor-ge­ral da Agên­cia de De­sen­vol­vi­men­to da Re­gião Me­tro­po­li­ta­na de Be­lo Ho­ri­zon­te.
Pa­ra Ma­da­le­na Soa­res, se­cre­tá­ria-ad­jun­ta de Ges­tão Com­par­ti­lha­da da pre­fei­tu­ra de BH, é me­lhor pa­ra a ci­da­de o cres­ci­men­to do nú­me­ro de pré­dios, na área cen­tral, do que a sua cons­tru­ção em re­giões dis­tan­tes. "A ci­da­de tem de con­tro­lar o cres­ci­men­to. Quan­to maior a man­cha ur­ba­na, maior a ne­ces­si­da­de de trans­por­te pú­bli­co."
Já o bom mo­men­to do se­tor imo­bi­liá­rio en­co­bre ou­tro pro­ble­ma: os ín­di­ces do dé­fi­cit ha­bi­ta­cio­nal no país. Jo­sé Oswal­do Las­mar, eco­no­mis­ta e pes­qui­sa­dor da Fun­da­ção João Pi­nhei­ro, tam­bém pre­sen­te no seminário, afir­mou que BH apre­sen­ta o ter­cei­ro maior dé­fi­cit ha­bi­ta­cio­nal do país (11,51%). "No Bra­sil há se­te mi­lhões de do­mi­cí­lios va­gos, sen­do 6,3 mi­lhões em con­di­ção de se­rem ha­bi­ta­dos. Ora, se há tan­to lu­gar pa­ra mo­rar, pa­ra que cons­trui­re­mos mais? O que se pre­ci­sa fa­zer é ade­qua­ção fun­diá­ria. As prin­ci­pais áreas me­tro­po­li­ta­nas do país abri­gam 1,537 mi­lhão de do­mi­cí­lios clas­si­fi­ca­dos co­mo dé­fi­cit, re­pre­sen­tan­do 27,7% das ca­rên­cias ha­bi­ta­cio­nais bra­si­lei­ras", ques­tio­na.   
A ex­pan­são imo­bi­liá­ria, prin­ci­pal­men­te em BH, con­tras­ta com as fa­ve­las e as re­giões com po­pu­la­ção de bai­xa ren­da. A pres­são ur­ba­na da ca­pi­tal aca­bou por em­pur­rar es­sa par­ce­la de ci­da­dãos pa­ra os ar­re­do­res da ci­da­de. Com is­so, há aden­sa­men­to ex­ces­si­vo nas mo­ra­dias, au­men­to do de­sem­pre­go e vio­lên­cia. "Ri­bei­rão das Ne­ves é um exem­plo da ex­clu­são so­cial do pro­ces­so de me­tro­po­li­za­ção", in­di­ca Jo­sé Fer­nan­do Vi­le­la, con­sul­tor téc­ni­co do Sin­dus­con. En­quan­to a RM­BH cres­ceu 17%, a ci­da­de avan­çou 21,36% en­tre as dé­ca­das de 1970 e 1980.

So­lu­ção à vis­ta - Per­gun­ta que fi­ca: é pos­sí­vel um fu­tu­ro sus­ten­tá­vel pa­ra a Ci­da­de-Jar­dim? Um pla­ne­ja­men­to es­tra­té­gi­co que pos­sa in­te­ra­gir com a di­nâ­mi­ca so­cial, com qua­li­da­de de vi­da, alian­do cres­ci­men­to eco­nô­mi­co e res­pei­to à na­tu­re­za? Sim. Es­se é o ce­ná­rio que se pre­ten­de - e é pos­sí­vel - pa­ra a RM­BH nos pró­xi­mos anos.
Pa­ra is­so, o go­ver­no do Es­ta­do e a Uni­ver­si­da­de Fe­de­ral de Mi­nas Ge­rais (UFMG) ela­bo­ra­ram o Pla­no Di­re­tor de De­sen­vol­vi­men­to In­te­gra­do (PDDI), que pos­si­bi­li­ta­rá a rees­tru­tu­ra­ção ter­ri­to­rial da re­gião a fim de re­du­zir as de­si­gual­da­des so­cioes­pa­ciais e pro­por­cio­nar me­lhor ha­bi­ta­bi­li­da­de e mo­bi­li­da­de ur­ba­nas.
Lan­ça­do em se­tem­bro de 2009, o PDDI tam­bém ga­nhou um ou­tro alia­do de pe­so: o pro­je­to BH 2030, ela­bo­ra­do pe­la pre­fei­tu­ra de BH (ve­ja a se­guir) que tra­ça qua­tro ce­ná­rios pos­sí­veis pa­ra a ca­pi­tal mi­nei­ra nos pró­xi­mos 20 anos. Ne­les es­tão con­tem­pla­dos des­de pro­je­tos de in­fraes­tru­tu­ra, pro­te­ção am­bien­tal, ges­tão de re­sí­duos e, cla­ro, a ques­tão dos trans­por­tes, ho­je um dos pro­ble­mas que mais im­pac­tam a vi­da dos be­lo-ho­ri­zon­ti­nos.
"Pre­ci­sa­mos criar no­vas cen­tra­li­da­des a par­tir de um sis­te­ma de trans­por­te ar­ti­cu­la­do, que é in­du­tor do cres­ci­men­to, é uma das al­ter­na­ti­vas. O pe­so da po­lí­ti­ca de trans­por­te, na ver­da­de, in­ci­di­rá mais so­bre a ges­tão das ci­da­des do que a ofer­ta de no­vas es­tru­tu­ras", afir­ma Ma­da­le­na Soa­res, da PBH.
"É im­plan­tar um anel viá­rio no con­tor­no Nor­te, apro­vei­tar a ma­lha viá­ria exis­ten­te. Criar e for­ta­le­cer es­tru­tu­ras ur­ba­nas com­pac­ta­das pa­ra que o trans­por­te se­ja efi­cien­te", ex­pli­ca. En­tre as ou­tras so­lu­ções apon­ta­das pe­la se­cre­tá­ria-ad­jun­ta de Ges­tão Com­par­ti­lha­da es­tão a uni­fi­ca­ção po­lí­ti­ca de to­dos os ní­veis de go­ver­no, in­te­gra­ção fí­si­ca e ta­ri­fá­ria que be­ne­fi­cie os usuá­rios e, prin­ci­pal­men­te, uma po­lí­ti­ca in­te­gra­da de uso do so­lo, que con­tem­ple a uti­li­za­ção dos es­pa­ços sem con­fli­tos ou pre­juí­zo à na­tu­re­za.
O SEMINÁRIO
Uma ini­cia­ti­va do Jor­nal Ho­je Em Dia, o Se­mi­ná­rio Meio Am­bien­te e Ci­da­da­nia es­tá em sua no­na edi­ção. Es­te ano, o fo­co dos de­ba­tes foi “Sus­ten­ta­bi­li­da­de e o De­sa­fio das Ci­da­des”, on­de fo­ram dis­cu­ti­dos te­mas co­mo cres­ci­men­to de­sor­ne­na­do, trân­si­to e trans­por­tes e o des­ti­no do li­xo.


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