Pequi: afrodisíaco do sertão

Rei do cerrado, o pequi alimenta lendas e tem lugar de destaque na cozinha sertaneja
Marcos Guião (*) - aroeiradosertao.multiply.com

Edição 23 - Publicado em: 30/11/-0001

Existem plantas que muita gente gosta e outras que não fazem muita diferença. Mas tem uma árvore do sertão que não deixa ninguém ficar em cima do muro. Ou o cabra ama de paixão ou detesta de coração. Tamos falando do pequi (Caryocar brasiliensis), árvore símbolo do Cerrado, que já foi objeto de tese de doutores e poema musicado dos cantadores populares, reinando na mesa e nas feiras da região central do Brasil. Seus frutos, de coloração amarelo vivo, têm cheiro inconfundível e fama de serem afrodisíacos. Muitos namoros, casamentos e gravidez tiveram início debaixo de sua frondosa copa, na época da catação de pequi no sertão. Homens e mulheres saem pelo mato para catar o fruto e... a paixão e o amor acontecem.

A árvore toda tem utilidade, começando pelas raízes, que os índios machucam e colocam na água para deixar os peixes meio ‘atoleados’, o que facilita muito a pesca. A madeira tem um sem fim de usos, graças à sua densidade, que a torna cobiçada e usada como poste ou dormente. É a melhor madeira para se fazer uma canga de junta de boi, pois, geralmente, é tortuosa e já vem com o revolteio certo de encaixar no pescoço dos animais. As folhas têm sabor travoso e tradicionalmente são indicadas para tratar dores renais. Também ‘dão jeito’ no cabra mais guloso, que excede e come o fruto ‘desageradamente’.

O fruto é considerado “quente e reimoso” e, consumido em excesso, causa má digestão e enjoo. Mas o sertanejo dele faz farofa, mistura no arroz, no frango e come até se fartá. A mulherada faz o chá das folhas pra dar resumo ao fluxo menstrual, quando o caso é “para mais”. Suas belas flores também participam do preparo de xaropes e são visitadas por centenas de abelhas.

Traquinagem danada faz a garotada em tempo de forró no sertão. Tudo começa antes, quando eles vão raspando de leve a entrecasca e a madeira do pequizeiro, até se obter um pó bem fininho, que é guardado com muito cuidado. Já de noite, o sanfoneiro provoca a turma prá dançar e em pouco tempo tá tudo que é gente se empareando e arrastando os pés no salão.

Movimento e povão vão se esquentando, o suor dá de correr no cangote e na fachada da moçada e é aí que a vaca vai pro brejo. É a hora de eles entrarem no meio do bololô de gente e disfarçados de alegria vão jogando o pó no cangote do povo. Daí, basta se arredá e ficar de butuca pra ver o estrago, com todo mundo se fadigando de tanto coçar. A coisa começa devagar e em pouco tempo fica insuportável, com o cabra interrompendo o sofrimento só com o poder de um bom banho.

Os índios têm uma lenda curiosa sobre o surgimento do pequi. Antigamente, os jacarés se transformavam em homens e, um deles, se fez humano e seduziu a mulher do chefe da tribo. Furioso, o chefe matou o safado. No lugar onde ele morreu, nasceu um pé de pequi, que produziu suas belíssimas flores e frutos, que ainda não tinham aroma. Os frutos foram oferecidos ao Deus sol e à Deusa lua que, acreditem, orientaram as mulheres a esfregá-los nas partes íntimas, para adquirirem o tradicional aroma.

‘Causos’ à parte. O óleo do pequi tem serventia tanto na culinária quanto na farmácia sertaneja. Tempera quase tudo que se quiser preparar numa cozinha, bastando uma pitada ainda no esquentamento da panela para dar cor e sabor inconfundíveis. Na farmácia ele entra no preparo de um xarope expectorante. Aplicado nas juntas, combate dores reumáticas, quando esfregado até esquentar o local afetado. Mas é preciso cuidado na hora de roer o caroço dessa fruta sertaneja, pois debaixo da polpa de amarelo encantador há uma ruma de espinhos esperando os desavisados que não conhecem a ciência de comer pequi. Até a próxima lua cheia!


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(*) Jor­na­lis­ta e consultor em plantas medicinais.
 


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