Da família das sumaúmas, as rainhas da Floresta Amazônica, que chegam a viver mais de 800 anos, a árvore Arichichá (sterculea chicha), que encantou e acolheu gerações em suas catanas (raízes que chegam a medir mais de cinco metros de altura), tombou, neste início de ano, na Mata da D. Zina, na Fazenda Vargem Bonita, em Santo Antônio do Grama, na Zona da Mata Mineira.
A queda da árvore, que também reinava como a mais exuberante neste importante resquício de Mata Atlântica de pouco mais de 26 hectares, não apenas deixa a floresta órfã da sua beleza. Mas toda a família de D. Zina, cujo nome era Virgínia Alvarenga Bacelar, que deu nome ao local. Deixa desconsolados, também, a comunidade de Santo Antônio do Grama e aqueles que visitavam a área só para verem a Arichichá, curtirem o frescor da mata e o canto dos pássaros.
“Morreu um ente da minha família”, disse abalado o neto de D. Zina, Ronaldo Silva Araújo, quando visitou a mata no início de maio deste ano e viu a Arichichá tombada. Ela caiu arrancando todas as raízes e as imensas catanas, e seu tronco ficou suspenso entre duas árvores próximas. Em uma delas já se pode ver a formação de uma catana, será sua filha?
Não se sabe ao certo a idade da árvore - que media mais de 30 metros de altura - mas certamente, de acordo com Ronaldo, ela teria em torno de 300 anos. Mas pelo porte e as imensas catanas, semelhantes às familiares sumaúmas da Floresta Amazônica, alguns especialistas estimam que ela poderia ter perto de 500 anos. Mas teria que ter sido feito um estudo mais aprofundado para chegar mais próximo à idade real da árvore.
O biólogo e diretor da Gaia Consultoria e Assessoria Ambiental, Guilherme Barreto, que fez pesquisas na mata anos atrás, também recebeu com muita tristeza a notícia da queda da árvore. Segundo ele, é difícil precisar porque uma espécie do porte da Arichichá tenha caído, mas três fatores são mais comuns para ocasionar a queda das árvores.
Guilherme diz que o primeiro fator é raio, já que ela era a árvore mais alta da floresta e poderia sofrer essa ação. O vento seria muito difícil, devido a grossura das raízes tabulares. O mais certo, ressalta, é que ela possa ter sido acometida por alguma doença ao longo do tempo, propiciando agora seu tombamento. Ele não acredita que a idade possa ter influenciado na sua queda, mas afirma que não tem uma explicação concreta porque as árvores morrem, mas o mais provável são raios e doenças.
Um amor de D. Zina
A família Gomes, da qual fez parte Virgínia Bacelar, que tinha o apelido de D. Zina, contribuiu também para a formação de Santo Antônio do Grama (que conta atualmente com 4,2 mil habitantes), doando terras para criação do município, elevado a essa categoria através da Lei 1039, em 12 de dezembro de 1953, sendo instalado no dia 1º de janeiro de 1954.
Ronaldo Araújo conta que a Fazenda Vargem Bonita, que produzia café, cana-de-açúcar, milho e criação de gado, pertenceu ao seu bisavô, João Paulino Bacelar, que também preservava a mata e servia de refúgio nos finais de semana para piqueniques e encontros familiares. Virgínia, apelidada de Zina, e seus irmãos brincavam e cresciam aos pés das imensas catanas da Arichichá, que se tornou um grande amor da família.
Quando Zina se casou, seu marido Mariano Gomes comprou parte da fazenda, juntamente com a mata, para estabelecer residência junto aos sogros. O casal continuou preservando a área devido ao grande amor da esposa pela Arichichá e toda a floresta. Eles tiveram 15 filhos, entre eles a mãe de Ronaldo Araújo, Milete Gomes Silva Araújo, que como sua mãe e tios, também se encantava com a beleza da árvore e a considerava como um ente da família, crescendo em meio as suas catanas, que formavam entranhas, semelhantes a um abrigo.
Ronaldo diz que a mata era cortada por uma estrada, que ligava Santo Antônio do Grama a Rio Casca, mas devido a sua preservação ocorreu o fechamento do acesso com o crescimento das árvores e um outro caminho foi aberto na lateral, o qual existe até hoje.
Após a morte do marido, Mariano Gomes, em torno de 50 anos, D. Zina continuou a tocar a fazenda com a ajuda dos empregados. Preocupada com a educação dos 15 filhos foi morar em Viçosa e se dividia entre essa cidade e Santo Antônio do Grama. Com o crescimento dos filhos - as mulheres se formaram normalistas e os homens engenheiros e médicos - ela se mudou para Belo Horizonte, mas continuou a manter a fazenda por muito tempo, mesmo à distância, até sua morte com 102 anos, em 1978.
Foi possível, então, que a quarta geração da família, como Ronaldo e seus cinco irmãos pudessem também conhecer a famosa Arichichá e reviver as histórias contadas pela vó D. Zina, mesmo depois da área já ter sido vendida para a Usina Jatiboca, Ronaldo nunca deixou de visitá-la, em dezembro do ano passado foi ao local e a árvore ainda estava de pé, mas no último dia 20 de maio, quando se deslocou novamente à região, encontrou a árvore caída. “Assustei com a morte da Arichichá, como se tivesse perdido a imagem viva de toda a história da minha família, mas só tenho a agradecer pela sua generosidade com todos nós”, afirmou.
Patrimônio
De acordo com a Prefeitura de Santo Antônio do Grama, a Mata Dona Zina foi tombada em 2006 pelo Conselho Municipal do Patrimônio Cultural e Natural do município, porque, além de ser um remanescente de Mata Atlântica com fauna e flora ainda preservados, a área tem um significado histórico muito grande para a região. “Ela envolve a história da Dona Zina e do Capitão Mariano Gomes e foi por lá que, por muitos anos, passou o desenvolvimento de Santo Antônio do Grama (no início do século passado), através da estrada que cortava a mata. Lá também está a centenária árvore de Arichichá”, diz o documento de tombamento.
O coordenador Municipal de Cultura, Lazer e Turismo de Santo Antônio do Grama, Leonardo Moreira, lamenta a queda da árvore e diz que a Arichichá, apesar de ter caído, vai permanecer com sua inquestionável importância histórica, cultural, ecológico-ambiental e representatividade da biodiversidade do ecossistema da Mata D. Zina. Segundo ele, a área sempre foi respeitada e fiscalizada e o cercamento do perímetro de tombamento deverá ser mantido e fiscalizado para não haver desequilíbrio da vegetação nativa.
Fique por dentro
Arichichá (sterculia chicha)
A Arichichá é conhecida com outros nomes populares como como castanha-do-maranhão, pau-de-cortiça, xixá, araxixá, boia unha-d’anta, coaxixá, pau-de-boia, da família Malvaceae, a mesma das paineiras, cupuaçu, cacau e sumaúma.
É uma árvore típica de ambientes ensolarados a semi-sombreados, presente de forma espaçada na costa Atlântica brasileira, desde a Bahia até São Paulo, com exemplares isolados também em Minas Gerais. Apresenta raízes tabulares na sua base (sapopemas basais, como a Sumaúma).
Tem um porte altaneiro, de tronco pardacento ereto, liso, sem sulcos e sem casca descamante e muito ramificado no ápice, com até 60cm de diâmetro e sapopemas basais.
No Brasil existem cerca de 7.880 espécies arbóreas (FAO, 2005). Mais de 4 mil delas estão presentes do Catalogo de Árvores do Brasil, elaborado pelo Laboratório de Produtos Florestais do Serviço Florestal Brasileiro. Este catalogo contém cerca de 15 mil nomes comuns e comerciais relacionados aos nomes científicos das respectivas espécies. No catalogo são encontradas espécies que ocorrem em todos os biomas brasileiros.