Pouco mais de 200 anos desde a primeira Revolução Industrial, significativos avanços tecnológicos vêm alterando a organização econômica, política e social das sociedades ao redor do globo. A quarta Revolução Industrial – com progressões de tal ordem que impactarão a escala, o escopo e a complexidade dos negócios – soma-se às pressões por sustentabilidade, alterando profundamente os drivers de competitividade dos negócios no século XXI.
Para a economia brasileira, os desafios da sustentabilidade e da quarta Revolução Industrial representam importantes fontes de riscos e de oportunidades. O país tem políticas públicas associadas a questões socioambientais, como, por exemplo, a Política Nacional de Mudança do Clima e as metas de redução de gases do efeito estufa, assumidas no âmbito do Acordo de Paris. Além disso, sua relação entre economia e meio ambiente é fundamental: o agronegócio é responsável por 40% do faturamento das exportações.
O Brasil também conta com a maior extensão de florestas tropicais e a segunda maior cobertura florestal do mundo. Por outro lado, questões estruturais têm dificultado o crescimento da produtividade e levado ao declínio da capacidade industrial no país.
Nesse contexto e considerando os desafios da transição para o desenvolvimento sustentável, quais são os potenciais impactos econômicos, ambientais, sociais e éticos da quarta Revolução Industrial? E, sendo o Brasil uma potência sustentável, que oportunidades tal movimento nos oferece?
Impactos econômicos
As tecnologias de blockchain, a internet das coisas (IoT), a impressão em três dimensões (3D) e a inteligência artificial facilitam a formação de uma rede de mercados com base em plataformas de pequenas empresas. Manufaturas podem ser estruturadas em menor escala e com cadeias de fornecimento mais curtas. Novos modelos de negócios fundamentados em alta tecnologia têm o potencial de contribuir para a redução da desigualdade em regiões subdesenvolvidas.
Por outro lado, essas tecnologias também podem formar grandes monopólios globais, pois reduzem drasticamente os custos marginais e permitem enormes economias de escala. Estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – O Futuro da Produtividade – mostra que as empresas que investem mais em tecnologias digitais e se baseiam no conhecimento se distanciam da concorrência. Empresas como Google, Amazon e Facebook não só eliminam seus competidores, como também começam a dominar outros setores.
Impactos ambientais
As novas tecnologias podem contribuir para tornar a produção industrial mais eficiente, com redução de uso de recursos naturais, de geração de resíduos e de consumo de energia.
Inteligência artificial, robótica e blockchain também vêm sendo usados para monitorar fauna e flora, poluição, certificação de origem e controle de cadeias de fornecimento. Por exemplo: o Walmart monitora com blockchain a cadeia de carne de porco produzida na China.
A Everledger (especializada em redução de fraudes) certifica diamantes com smart contracts e machine vision; e a plataforma Provenance usa as novas tecnologias para tornar cadeias produtivas mais transparentes, por exemplo, evitando a compra de atum pescado com trabalho escravo.
A conectividade também pode promover uma gestão mais eficiente de uso de materiais e criar ciclos circulares por meio da reciclagem, como vem acontecendo com empresas como Philips, IBM, Cisco, GE e AGCO.
Por sua vez, as novas tecnologias, ao reduzir os custos de produção e distribuição, podem induzir a um grande aumento de consumo, gerando impactos ambientais negativos. Segundo o Global E-waste Monitor, o lixo eletrônico cresceu 8% entre 2014 e 2016. E a previsão é de que aumente 17% até 2021. Cientistas que trabalham com biotecnologias alertam também sobre riscos de contaminação ambiental.
Impactos sociais
Recentes estudos sobre os efeitos da automação e da inteligência artificial sobre os empregos convergem para as mesmas conclusões: em países como Estados Unidos, Japão, Reino Unido e Alemanha, a proporção de empregos em risco prevista para as próximas duas décadas gira entre 35 e 47%.
O mais surpreendente dessa mudança é o perfil das ocupações, que começam a ser substituídas pela automação, como atividades intensivas em mão de obra nas indústrias de eletrônicos, confecções e construção civil. Além de trabalhos qualificados no setor de serviços.
O uso de inteligência artificial em instituições financeiras, escritórios de advocacia, corretoras de imóveis, agências de viagem, empresas de contabilidade, de telecomunicações e de mídia e até mesmo nos serviços públicos deverá eliminar os empregos de grande parte da classe média.
Alguns especialistas têm uma visão otimista dessas mudanças e acreditam que novas ocupações e oportunidades de negócios poderão abrigar os futuros desempregados da tecnologia. Porém, as competências necessárias serão novas. O trabalho humano que superará ainda por algum tempo o das máquinas será aquele baseado na criatividade, no empreendedorismo e na inovação.
Os impactos éticos
Vinayak Dalmia e Kavi Sharma, investidores em novas tecnologias, perguntam, em artigo publicado no site do Fórum Econômico Mundial, se estamos preparados para submeter a algoritmos decisões críticas da vida pessoal envolvendo a carreira, a escola dos filhos ou a escolha de um parceiro afetivo.
À medida que máquinas adquirem a capacidade de tomar decisões autônomas, como, por exemplo, quem contratar para uma vaga de emprego e como definir determinado tratamento médico, emergem questões éticas totalmente novas.
Como serão definidas as regras para tais resoluções? Como julgar decisões tomadas por máquinas quando provocam danos às pessoas?
Os algoritmos que controlam o uso do Facebook e do Google estão criando novos padrões de comportamento e de relacionamentos. O uso da psicometria avançada, como a usada pela Cambridge Analytica, permite a identificação de perfis psicológicos com capacidade de prever decisões e comportamentos com alto grau de precisão.
O emprego dessa tecnologia para fins comerciais e políticos levanta problemas éticos que não estão sendo discutidos pela sociedade e cuja regulação e direito ainda estão em fases muito iniciais.
De Davos ao Brasil
As tecnologias digitais são pouco difundidas na indústria brasileira. Pesquisa com empresários do setor, feita pela consultoria PricewaterhouseCoopers (PwC), mostra que, no Brasil, apenas 9% deles acreditam ter nível avançado de digitalização, enquanto no México e na China esse percentual é de 40%.
Segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), no Brasil, buscam-se melhorias incrementais e aumentos de eficiência e de produtividade. Raramente se aproveita o potencial das tecnologias para promover mudanças disruptivas, como desenvolver novos produtos ou novos modelos de negócios.
Falta conhecimento sobre quais tecnologias são as mais adequadas para cada empresa. Os altos custos de implantação e a baixa qualificação da mão de obra são outros fatores limitantes.
Por outro lado, o Brasil avança rapidamente no uso das tecnologias da quarta Revolução Industrial em outros setores. No setor agrícola, por exemplo, o uso da biotecnologia e da edição genética amplia consideravelmente a produtividade das plantas.
Nas fazendas, robôs e drones com sensores conectados à internet, mecanismos de reconhecimento de imagem e inteligência artificial são capazes de identificar com antecedência doenças, pragas e condições ambientais adversas. Esses equipamentos também conseguem controlar com precisão e eficiência o uso de água, de produtos químicos e de energia.
Já no setor financeiro, a inteligência artificial permite às instituições oferecer melhores serviços; e o blockchain possibilita a criação de meios de pagamento e empréstimos diretamente entre pessoas, com baixo custo.
Embora a adoção de tecnologias digitais esteja ainda em ritmo lento, há oportunidades para o país. Para aproveitá-las, são necessárias mudanças nos sistemas de gestão. Inovação e sustentabilidade devem estar integradas em processos como os de gestão de risco, desenvolvimento de produtos, gestão de fornecedores e desenvolvimento de pessoas.
O Brasil pode aproveitar as tecnologias da quarta Revolução Industrial para desenvolver e alavancar indústrias intensivas em conhecimento, que se beneficiariam da facilidade de “relocalização” geográfica e da abundância de recursos naturais.
Especialmente no caso da Amazônia, a riqueza dos ativos biológicos combinada com uma plataforma tecnológica avançada pode contribuir para o surgimento de produtos únicos no mercado internacional.
O país pode também reforçar o controle do desmatamento, o rastreamento de cadeias de valor, a eficiência energética e a economia circular, para aperfeiçoar o uso de recursos na gestão urbana.
Além disso, as novas tecnologias oferecem inúmeras oportunidades para o desenvolvimento de negócios inclusivos que contribuem para a geração de empregos e para a redução das desigualdades.
(*) Regina Magalhães, diretora do Setor Automotivo e de Transportes da Schneider Electric para a América Latina / Annelise Vendramini, professora da FGV/EAESP.
Originalmente publicado em FGV Executivo, V17,N1.